Memorial de Karina Gomes Vogel


Eu, por eu mesma.

“Os prazeres e frustrações de se tornar educador”

“Pode seguir a sua estrela, o seu brinquedo de “star”, fantasiando segredos, de onde quer chegar,(...) quem vem com tudo não cansa...” (CAZUZA, Bete Balanço.)

Bom, então é chegada a hora que tanto posterguei, sei lá inúmeras vezes na vida pensei sobre isso, e as dores que causaram não foram boas o suficiente pra elaborar o parto das idéias... não nego, fugi, por muito até me deparar com certas verdades que neguei para mim e sobre mim até hoje.
Sempre me achei uma insatisfeita com a realidade posta, questionando tudo e todos, negando o que me era obrigado. Ao menos era o que acreditava ser importante, que os outros pensassem sobre mim. Grande deboche!Grande piada!
Quem disse que eu tinha de ser isso ou aquilo? Nunca aceitei ter que fazer o que os outros queriam! Grande piada outra vez.
Passei uma infância dizendo que queria ser médica, brincava com as bonecas, lhes enchia a “bunda” de agulhas roubadas da mãe, fazia curativos nos cachorros e gatos da vizinhança doentes, tratava dos furúnculos da minha mãe... Adorava um sangue, curtia o seriado plantão médico nas madrugadas com uma grande amiga, ao qual nutríamos juntas, o “sonho da medicina”.

“ Os sonhos vêm e os sonhos vão, o resto é imperfeito.”(DADO VILLA –LOBOS/RENATO RUSSO /MARCELO BONFÁ, Há tempos.)

“Ideologia, eu quero uma para viver...” (CAZUZA, Ideologia.)

Então o tempo foi passando, mudei de escola, fui para uma escola estadual, lá descobri que muitas coisas não eram bem do jeito que eu pensava, vi iniciar um distanciamento do meu sonho de ser médica, mas não aceitei existir de verdade tais problemas. Segui a vida. Nessa nova escola cursei da 7ª série até o 3ªano do ensino médio. Aqui fui experimentado novas vivências, novos gostos, outras possibilidades. Comecei a ter aula de filosofia, psicologia e sociologia. Sempre gostei de ler e escrever, achava isso realmente fascinante, que diferenciava as pessoas. Vinculava-me, razoavelmente bem em português e literatura. Mas minha paixão era a biologia, genética, organismos, como as coisas funcionavam... era realmente delicioso saber que existia algo que explicava o como e o porque que as coisas eram daquele jeito, as explicações faziam todo o sentido. Até que, começava a pensar nas pessoas, o que sentem, porque escolhem isso ao invés daquilo, porque se julgam, se diferem, se agridem, rezam, matam, lutam ou nada fazem e também os que se fazem. De vítima, de morto, de espertos, de burros, de coitados, e os que fazem os outros pensarem, sobre o mundo, sobre as leis, quem inventa elas e o por quê ? Isso nenhuma matéria explicava, não direito, só “brexinhas” em história, geografia, biologia e química. Até que ela surgiu, a filosofia, nada mais foi igual para mim, aquele tal de Sócrates era demais e a minha professora que lecionava também a psicologia e sociologia era tudo. Sabia tudo, engraçada, engraçadíssima, irônica, irreverente, debochada, agressiva, mas sabia cativar. Eu a amei, desde o momento em que mostrou pensar, pensar sobre as coisas, e de forma diferente dos outros.

“Não vá embora, fique um pouco mais, ninguém sabe fazer o que você me faz , é exagero, pode até não ser o que você consegue ninguém sabe fazer.” (DADO VILLA –LOBOS/RENATO RUSSO /MARCELO BONFÁ,Teorema.)

“Só sei, que nada sei.” (SÓCRATES)

“Eu só sei dizer que eu não sei nada de você, e eu só quero dizer não sei muito de mim também.”( HERBERT VIANNA, Eu não sei nada.)

Mas, veio o teste vocacional, o terceiro ano, a preparação para o vestibular, um ano sem filosofia, doeu, mas o teste vocacional não falha nunca, e lá estava registrado: ciências biológicas 100%, humanas 98% e artes 89%. Eu, tive todas as certezas, seria médica. Fui experimentar o vestibular, tomei bomba no segundo dia, matemática e não fui mais fazer as provas, claro, não sozinha, junto com minha amiga inseparável que também tomou bomba, quando minha mãe descobriu quis nos matar. Maldita correspondência da UFRGS de desempenho.
Bom, o ano foi passando fiz cursinho pré-vestibular intensivo, de 5 meses, fiz vestibular no outro verão e tomei “pau” novamente, minha mãe quase foi a loucura e a internação psiquiátrica novamente, e para amenizar a desgraça prestei vestibular para outra faculdade, no objetivo de que no próximo verão tentaria novamente medicina. Minha família queria que eu fizesse pedagogia, respondi que nem por decreto lei seria professora, não gostava de crianças e não daria aula. Definitivamente não! Nem que fosse por um ou dois semestres. Me escrevi para Filosofia, para o desespero completo da minha mãe, dizia ela: “- O que se faz com filosofia?” , “- Como se chama quem faz isso?”
Prestei o vestibular, passei, comecei a cursar, crente que naquele próximo verão faria vestibular para medicina. Não aconteceu.
Já era tarde de mais, estava apaixonada, amor que neguei por preconceito e aceitação da sociedade. Na primeira aula de introdução à filosofia fiquei transtornada, era bom demais para parar.

“Não, eu não posso negar, não adianta disfarçar, agora você me prensou contra a parede. Eu não passava por aí por acaso. Não, eu não olhava pra você por acaso. Eu sempre quis você. Se eu não me fiz entender não foi por mal não foi por nada, nada foi por acaso.” (GRESSINGER, Nada foi por acaso.)

Então me enganei, e segui me enganando e aos outros também sobre fazer medicina, mas já dizia que tentaria vestibular só após o fim do curso. E fui indo, me deliciando com tudo o eu descobria, de mim, de Deus?, dos outros, e de tantas coisas que eu pensava e também outro alguém a mais de 2000 anos pensava, ou no século retrasado. E surgia a pergunta: “-Como em uma época tão pouco esclarecida podia se produzir pessoas que pensavam tão diferente?”. Mas, realmente aqui começaram a surgir dois verdadeiros amores: a ética que me fascinou em, sem pudores, todos autores ao qual fui apresentada até então, e a filosofia com crianças. A primeira trazia-me calma, saciava aquela angústia de entender, frear e reprimir o animal homem, em sua ganância e maldade sem limites. E a outra um prazer até então esquecido lá na infância de mostrar o porque nós seres humanos nos diferenciamos dos demais seres, pois perguntamos, formulamos meios intelectuais de respondermos ou adquirirmos respostas as nossas dúvidas.
Conheci nesta época duas colegas de faculdade que faziam curso de extensão na PUC com o professor Sérgio Augusto Sardi em Filosofia com Crianças, que partia do princípio de que a criança, indivíduo, tem seus raciocínios e elaborações filosóficas, não apenas perguntas com objetivos fixos que morrem na resposta desses. Foi um casamento, de pensamentos, idéias que antes estavam guardadas em mim, e como se mais alguém conseguisse pensar o que eu pensava.
Fiz dois módulos do curso na PUC, e meu trabalho de conclusão de curso: “Possibilidades de se Filosofar com Crianças”. Enquanto o último ano de faculdade corria precisávamos de um local para “aplicarmos” nossas teorias e práticas. Conhecemos através de uma amiga a Casa de reabilitação Marta e Maria, para dependentes de drogas, uma população em sua maioria de jovens mulheres de 11 a 19 anos mas, sua grande maioria tinham idades de 13 a 14 anos. Foi muito positivo, claro que era uma população a margem, com suas especificidades, dificuldades de aprendizagem devido a dependência e o período de abstinência, a falta de escolaridade, ou analfabetismo completo, pobreza, prostituição e demais problemas que aqui não cabem ser falados, mas foi bom. Lá trabalhei como voluntária por 03 anos, com encontros semanais, foi bastante gratificante, para ambos os lados perceber como é possível mostrar outras possibilidades de vida e caminhos indivíduos. Ali comecei a compreender qual era o meu caminho, educar, mostrar outras possibilidades e apreender sobre vidas que não vivi, mas que ao conviver acabo por fazer parte e elas, parte de mim.

“Quando o sol bater, na janela do teu quarto, lembra e vê que o caminho é um só. Por que esperar se podemos começar tudo de novo, agora mesmo, a humanidade é desumana mas ainda temos chance, o sol nasce para todos.” (DADO VILLA –LOBOS/RENATO RUSSO /MARCELO BONFÁ, Quando o sol bater na janela do teu quarto.)

Durante toda a faculdade, trabalhei, pois precisava ajudar a minha família a pagar meus estudos, no início trabalhava em um supermercado de bairro por quase um ano, pedi demissão para iniciar estágio na Prefeitura de Viamão.

“Nunca me deram mole, não (melhor assim). Não sou a fim de pactuar (sai pra lá). Se pensam que tenho a mãos vazias e frias (melhor assim). Se pensam que minhas mãos estão presas (surpresa). Mãos e coração livres e quentes: chimarrão e leveza.” (GRESSINGER Ilex Paraguariensis.)

No arquivo histórico, na secretaria de cultura, que foi uma possibilidade de me aproximar um pouco mais da vida em sala de aula. Fazíamos passeios guiados aos pontos turísticos do município com diferentes escolas. Também fiz pesquisa de campo para a construção do inventário participativo do município, com busca de fontes históricas entre moradores e junto a outros museus. Este estágio perdurou até o meu penúltimo semestre de faculdade, já na reta final fiquei fazendo uns bicos de balconista em uma vídeo-locadora de uma pessoa conhecida. Mas esse item financeiro, acho um tanto inconveniente e não mudará muito a situação em que me encontro profissionalmente. Já passou, e o financiamento estudantil está pago.
O final da faculdade veio com medo e receio, medo de encontrar emprego, emprego na minha área e me sustentar. Foi um período inconveniente, de dúvidas.
Trabalhei enfim em um centro infantil, por cinco meses apenas mas mesmo com todas as dificuldades foi maravilhoso, primeiro pela oportunidade de trabalhar com educação, segundo por poder trabalhar com o projeto a qual defendi ao fim do curso, filosofia com crianças, e terceiro o quanto gratificante é fazer algo que se gosta, se acredita. Criei vínculos com as crianças, estabelecemos relações fortes, e quando parecia que as coisas estavam se acomodando, prestei seleção para professor substituto no Colégio de aplicação da UFGRS e passei. Isso sem sombra de dúvidas foi o céu. Me despedi dos meus pequenos, com dois corações, mas sabia que era o melhor para mim. Continuei a visitá-los por mais três meses.

“A dona aranha subiu pela parede, veio a chuva forte e a derrubou, já passou a chuva e ela vai contente, sobe, sobe, sobe dona aranha. A dona aranha subiu pela parede veio novamente a chuva e a derrubou. Já passou a chuva. Ela é teimosa e persistente sobe, sobe, sobe dona aranha, sobe, sobe, sobe e continua a subir.” Paralenda popular.

O colégio de Aplicação.

Não quero ser romântica, nem trouxa, mas acredito na educação que se propõem este estabelecimento. Sei que nada é perfeito, que existem correntes de pensamentos, posições demarcadas, mas o pensar escola e as propostas dadas a quase todos os problemas ali enfrentados são realmente como penso que deveria ocorrer no espaço escola. Em primeiro lugar, acho que sim, a escola deve estar além de um espaço aonde se assiste à aula e se vai embora, deve ser um lugar para vincular o indivíduo, também aluno com a escola, que nesta escola se aprenda além das disciplinas, mas se aprenda a se mover para a vida. Que se cruze diariamente a pesquisa, o novo, o aluno, o professor, as pessoas que eles representam, a escola e a sociedade. E no Aplicação por diversas vezes vi e vivenciei este processo ocorrendo. Não quero santificar ninguém nem a instituição que o CAP representa, mas lá existem condições incomparavelmente melhores de se pensar escola, escola pública e de qualidade. Pensar que deve haver tempo para a dedicação exclusiva do professor, que este deve fazer pesquisa, escrever sobre suas práticas, se relacionar com seus alunos em níveis diferentes, pensar em laboratórios de reforço escolar, laboratórios para todas as disciplinas, pensar em educação interdisciplinar, enriquecimento curricular, tempo para os professores se reunirem por áreas, se reunirem todos e terem tempo para correção de trabalhos e elaboração dos planos de aula, realmente até hoje só vi lá.
Para mim filosofia tem função de pensar, questionar, não aceitar o que está posto é mostrar para os alunos que devem e podem pensar por conta própria, por em xeque tudo o que se põe como verdade.

“Quando nascemos fomos programados a receber o que vocês nos empurraram com os enlatados dos USA, de 9 às 6. Desde pequenos nós comemos lixo comercial e industrial. Mas agora chegou a nossa vez , vamos cuspir de volta o lixo em cima de vocês.”( DADO VILLA –LOBOS/RENATO RUSSO /MARCELO BONFÁ,Geração Coca-cola.)

Fiquei no Aplicação por dois anos onde lecionei filosofia para o ensino fundamental e médio, fiz projetos com a parceiros voluntários, com o projeto jovem cientista do futuro, enriquecimento curricular, jornal estudantil, trabalhos interdisciplinares, educação de jovens adultos. Foi um período rico de aprendizados e escolhas, do que e porque ser educadora. Fiz as pazes comigo mesma, aceitei minha escolha de ter abandoado o sonho de ser médica.

“É só você quem deve decidir o que fazer pra tentar ser feliz” (Teorema.)

Mas, tudo é eterno enquanto dura, e esse período acabou. Ficaram as experiências, as amizades, as construções de vínculos com os alunos, as experiências de sala de aula, minhas vitórias, meus desastres, importantes para traçar um futuro com menos erros.

“Niente di cio che verrà domani sarà com’é già un’onda come il marein um va e viene infinito” (LULU SANTOS,/MASSIMILLIANO DE TOMASSI , Come fa un’ onda.)

Guardo a riqueza das vivências em sala de aula, de como pode ser próxima a ação, ato de aprender, ensinar, educar, acho que no fundo sempre entendi este processo como amizade, carinho, amor, sei que é uma profissão, que devemos nos cobrar como profissionais, mas para mim vale mais também é realização, dedicação e crença no ser humano e o que se pode atingir ou mudar com a educação. Eu, me transformei, fiquei mais humana, mais gente, e luto pela boniteza das pessoas e de suas ações.

“Vamos consertar o mundo, vamos começar lavando os pratos, nos ajudar uns aos outros, me deixe amarrar os seus sapatos.” (HERBERT VIANNA, Vamos viver.)

Durante este tempo também trabalhei em outros ambientes escolares, mas nem de longe fui tão realizada, nestas escolas particulares experimentei a realidade comum do ensino, a falta de importância com a disciplina de filosofia, o preconceito com os docentes dessa área, o descaso com a carga horária, com a qualificação dos que ministram as aulas, o que os estabelecimentos de educação esperam da disciplina de filosofia, ou melhor, o que não esperam.

“Veja, não diga que a canção esta perdida tenha fé em Deus, tenha fé na vida tente outra vez.” (RAUL SEIXAS, PAULO COELHO, MARCELLO MOTTA, Tente outra vez.)

Sem contar com os horripilantes relatos e constatações de que, quem tem o poder dentro das escolas particulares são pais e alunos, isso sem contar nos momentos em que somos chamados para a realidade com a frase: “-Sou eu quem pago o seu salário.”, “- A minha mesada é maior que o seu salário.” Ou a pior que eu ouvi até hoje: “ -Vê se por aqui, não tem mais um pontinho na nota dele.” , uma linda fala de uma coordenadora pedagógica observando o livro de chamadas, se referindo a um aluno que em nenhum momento tinha condições de passar de ano na minha disciplina, como em outras, simplesmente por que não queria mais estudar, estava aderindo ao movimento: “ sou rebelde, e a escola e os professores que sofram as conseqüências” , já que os pais tinham dinheiro e podiam sem problema sustentar ele e suas condutas extremamente desagradáveis.

“A verdade passa ao largo, como se não existisse. E a gente ali no meio, como se não existisse. Tudo se reduz a uma cruz e a uma espada. Tchê, de que lado tu estás? Ninguém pode agradar os dois lados.” (GRESSINGER,Vícios de linguagem.)

Ao final do período dos dois anos que lecionei no colégio de aplicação fui chamada para assumir a vaga no concurso para monitor da FASE/RS (Fundação de Atendimento Sócio Educativo do Rio Grande do Sul), ao qual quando passei, jurei que não assumiria, por não acreditar no trabalho lá desenvolvido. Tinha relatos bem contundentes para não fazer a investidura do cargo, mas precisava de emprego e assumi. Fui chamada para começar a trabalhar em uma unidade nova, que estava e vias de ser inaugurada, tendo muito receio o visto brevemente o trabalho em outras unidades por três meses iríamos assumir a nova unidade, para adolescentes de primeiro ingresso oriundos apenas das cidades vizinhas e de onde a unidade estava instalada. Enfim, não lá assumi, comecei meu trabalho como monitora, na última casa de passagem para adolescentes no cumprimento de medidas sócio educativas, entenda-se a unidade de maior segurança, para adolescentes que não aceitaram positivamente nenhum outro trabalho de reeducação social e que por gravidade de seus delitos, reincidência dos mesmos ou agravamento de perfil, chegam nesta unidade. Ao invés de iniciar trabalho em uma casa de ingresso, fui trabalhar em uma casa de contenção.

“Quero me encontrar, mas não sei onde estou, vem comigo procurar algum lugar mais calmo, longe dessa confusão, e dessa gente que não se respeita, tenho quase certeza que eu não sou daqui.” (DADO VILLA –LOBOS/RENATO RUSSO /MARCELO BONFÁ,Meninos e meninas.)

Tudo isso é muito pessoal, mas meu primeiro dia de trabalho, individual, ao qual já me sentia mais segura e capaz, foi para cuidar de uma aula, por ironia do destino de filosofia. Naquele dia percebi que aquele realmente não era o meu lugar. Fiquei um ano nesta unidade.

“Se o mundo é mesmo parecido com o que vejo, prefiro acreditar no mundo do meu jeito, e você estava esperando voar, mas como chegar até as nuvens com os pés no chão?” (DADO VILLA –LOBOS/RENATO RUSSO /MARCELO BONFÁ,Eu era um lobisomem juvenil.)

Trabalhando com meninos, desempenhando diversas atividades, me propus a diversas coisas, oficinas de artesanato, leitura, auxilio na limpeza e decoração da alas em dias de festa. Mas nada realmente gerava muito efeito. E isso realmente me levava a uma decepção profunda. Por situações que acho desnecessárias elencar, consegui transferência para a única unidade feminina de trabalho sócio-educativo.

“Quando o sol bater, na janela do teu quarto, lembra e vê que o caminho é um só. Por que esperar se podemos começar tudo de novo, agora mesmo, a humanidade é desumana, mas ainda temos chance, o sol nasce para todos.” (DADO VILLA –LOBOS/RENATO RUSSO /MARCELO BONFÁ, Quando o sol bater na janela do teu quarto.)

Enquanto funcionária da FASE, sempre quis trabalhar nesta unidade, CASEF (Centro de atendimento Sócio Educativo Feminino), mas me disseram que para lá, eu não iria. Enfim fui e lá tudo, ou melhor, quase tudo que eu desacreditava, com relação ao trabalho sócio-educativo se mostrou possível. Hoje faz cinco anos que sou funcionária da FASE, nossa unidade quatro, e descobri ou seria mais acertado dizer redescobri que só é possível educar ou reeducar alguém tendo respeito, vínculo, liberdade, confiança, crença, e permitindo oportunidades que rompam com o que já está posto. Que o processo de educação, de educar é um ato bipartido que move educador e educando, em um caminho sem volta ao crescimento pessoal e do indivíduo humano.

“Baby, compra o jornal e vem ver o sol ele continua a brilhar apesar de tanta barbaridade. Baby, escuta o galo cantar a aurora dos nossos tempos não é hora de chorar amanheceu o pensamento” (FREJAT/DULCE QUENTAL, O poeta está vivo.)

Hoje no CASEF, trabalho com um projeto de arte reciclagem que atende cinco adolescentes, que busca estimular e desenvolver um olhar diferenciado das adolescentes sobre o entorno e os “dejetos” produzidos pela sociedade, e pelo impacto do consumo em larga escala. Bem como desenvolver a conscientização ambiental aliada a uma preparação profissional das adolescentes em busca de trabalho individual ou associativo, com claras possibilidades de gerar sua própria renda e a busca por uma atividade futura, rentável e possível. Que através da arte, do artesanato busquem se abrir para uma mudança de posturas e de atitudes éticas e sociais.

“E mesmo que pareça tolo e sem sentido ainda brigo por sonhos, eu ainda brigo.” (HERBERT VIANNA, Flores e espinhos.)


Acho realmente que o trabalho executado pela equipe do CASEF e por mim, realmente é importante, sério e gera mudanças, mas que há nestes termos muito ainda para se construir, mudar e aprender com relação ao trabalho de atendimento sócio-educativo, aos adolescentes em conflito com a lei, em cumprimento de medidas de privação de liberdade integral ou parcial. Mas já executamos alguns passos.
Sobre o que penso atualmente da minha postura como educadora e do meu futuro é que caminho em uma formação contínua, não penso parar de estudar, apreender, e que este crescimento reflete naqueles a quem e com quem trabalho, pretendo efetuar, melhoras na forma de educar do CASEF, em parceria com outros funcionários lá, conseguirmos implantar cursos de formação de qualidade e mostrar que a mudança é possível para quem na vida já esteve tão longe do que é conviver em equilíbrio com a sociedade.

“Para que perder tempo desperdiçando emoções, grilar com pequenas provocações, ataco se for preciso sou eu quem escolho e faço os meus inimigos. Saudações a quem tem coragem.” (DÉ/FREJAT/GUTO GOFFI, Pense e dance.)

Já desejei sair da FASE, como também já desejei não ter ingressado, fiz concurso para professora do estado, passei e não fui chamada, só para o contrato emergencial, não quis assumir, também quero segurança, ainda que pouca, uma estabilidade ainda que falsa. Hoje tenho plena consciência de que minha realização profissional é na educação, mesmo sabendo que a remuneração não condiz com a importância da atividade, mas para mim não será a primeira vez que deixarei um emprego, para ganhar menos mas acreditando que a recompensa será maior. Mais a frente quero fazer mestrado e doutorado, até lá verei o que o tempo e as minhas escolhas me guardam.

“Se tu quiseres saber quem eu sou... me dá tua mão, vem viver, vem lutar lado a lado, me dá tua mão me protege e terá proteção minha mão ... meu irmão” (GRESSINGER,Lado a lado.)


Ofereço este pequeno mexer nas lembranças e sentimentos aos que me deram força de continuar lutando pela educação e por um mundo melhor. Em memória ao saudoso e ético professor padre Anúncio Caldana, a professora e avó Maria do Carmo Granella.
E a Aninha, luz do meu dia, a quem desejo que o futuro seja um tempo melhor, pelas escolhas que nós educadores e cidadãos tomamos hoje.

Um comentário:

Anônimo disse...

Essa história me fez lembrar o quanto meus pais lutaram para que alcançassem um bom futuro.