Memorial de Rosane Rocha Villodre Gehres


ALGUNS FATOS RELEVANTES DA DÉCADA DE 60

A década de 60 representou, no início, a realização de projetos culturais e ideológicos alternativos lançados na década de 50. Podemos dizer que a década de 60, seguramente não foi uma, foram duas décadas. A primeira de 60 a 65, marcada pelo sabor da inocência e até do lirismo nas manifestações sócio-culturais. No âmbito da política era evidente o idealismo e o entusiasmo no espírito de luta do povo.
A segunda, de 66 a 68 (porque 1969 já apresentava o estado de espírito que definiria os anos 70), num tom mais ácido, revelava as experiências com drogas, a perda da inocência, a revolução sexual, os protestos juvenis contra a ameaça de endurecimento dos governos.
Nesta época teve início uma grande revolução comportamental como o surgimento do feminismo e os movimentos civis em favor dos negros e dos homossexuais.
No Brasil, em 1960, era inaugurada a cidade de Brasília, nova capital do país, pelo presidente Juscelino Kubitschek.
Jânio Quadros sucedeu Juscelino e renunciou cerca de sete meses depois, sendo substituído pelo então vice-presidente João Goulart. Sob o pretexto das supostas tendências comunistas de Jango, ocorreu o golpe militar de 1964, que depôs Goulart e instituiu uma ditadura militar que duraria 21 anos.
Em 1962 o Brasil tornou-se bi-campeão mundial de futebol, na copa do mundo realizada no Chile.

REMINISCÊNCIAS DA MINHA INFÂNCIA

Nasci em dezembro de 1961, no município de Butiá, interior do Rio Grande do Sul, na região carbonífera, da qual nunca me desvinculei, lá foram vividas minha infância e adolescência através de aprendizagens e saberes marcantes. Uma vida de convivências, de explorações e descobertas junto ao cheiro do carvão e o verde da
natureza, experiências cotidianas repletas de significações, desafios, frustrações, curiosidades, possibilidades e realizações.
Neste espaço geográfico tive a oportunidade de fazer grandes amigos com quem convivo até hoje. Nossa amizade é tanta que muitas vezes passamos as férias juntos. Realizamos encontros que denominamos “Grupos de amigos de Butiá”. Alguns ainda moram em Butiá, outros em Porto Alegre, Guarujá do Sul/SC e eu, em Capão da Canoa.
Paulo Freire acreditava que o meio é muito importante na formação do indivíduo, creio nisto, pois na minha família paterna, todos de Butiá, temos oito professoras, incluindo minha irmã Carmem, que foi alfabetizadora por muitos anos e hoje é aposentada sendo pós-graduada em História do Rio Grande do Sul. Duas delas foram minhas professoras, Maria Inês e Maria Helena que sem dúvida me inspiraram a ser a profissional que hoje sou.
Minha trajetória pessoal, como professora, começou aos dez anos de idade, em uma mesa retangular para churrasco com os bancos compridos na lateral da mesma, para um grupo de três amigas. Minha mãe me deu de presente um quadro negro, que na realidade era verde, e o giz eu pedia para a minha professora de 4ª série, Professora Magdalena.
Andréa, na 1ª série, Kátia, na 2ª e a Jaqueline na mesma turma, 4ª série, brincávamos de estudar, mas a professora era sempre eu. Passava no quadro, corrigia, dava certo e ainda colocava parabéns com estrelinhas. Andréa era muito esperta, inteligente mesmo, pois os conteúdos que eu desenvolvia no quadro, eram os que eu estudava pela manhã com a minha professora de 4ª série e ela assimilava muito bem. Certo dia fui solicitada, pela professora dela, para não desenvolver com ela os conteúdos que eu estava aprendendo. A amiga Andréa captava os conteúdos com muita facilidade, hoje ela é médica. Esse fato me marcou muito. Na época não estava preocupada se ela estava ou não aprendendo, na realidade eu estava desenvolvendo uma habilidade que já existia dentro do meu perfil do que sou hoje. Que tardes maravilhosas! Não existia computador, mas existia uma natureza linda, com muitos verdes e muitas árvores frutíferas plantadas ao redor da casa onde eu residia que serviam para nos deliciarmos com suas frutas, durante o recreio das aulas.
Ao relembrar tudo isso, neste memorial, lembranças passam como um filme deste período da minha vida, sinto até vontade de chorar
de saudades, pois são tempos de uma infância bem vivida... Ainda bem que as coisas boas ficam e bem guardadinhas na memória.

MINHA FORMAÇÃO EDUCACIONAL

Em 1976 concluí o meu 1º grau hoje chamado de ensino fundamental, na Escola Cenecista Professor Alcides Conter, em Butiá.
Aos 15 anos fui morar em Porto Alegre, junto com os meus pais. Meu pai sofreu um enfarto e, como ele em seguida se aposentou, quis ficar próximo aos médicos que o tratavam. Confesso, foi muito difícil o afastamento dos meus amigos, familiares e do namorado, que hoje é meu marido. Foi quando, pela primeira vez, senti a dor de uma saudade e chorava muito. Com o sofrimento vem o amadurecimento e a vontade de conquistar meus objetivos. Na época, um deles era voltar para a minha cidade natal, conviver com meus amigos e familiares, com o cheiro de carvão e de vez em quando o cheiro de eucaliptos.
Em 1980 concluí o 2º grau em Habilitação Profissional Plena de Magistério, em Porto Alegre, no colégio Nossa Senhora do Bom Conselho. Foi um período onde tive que me dedicar bastante, pois a base que eu trazia do interior era mais voltada para as disciplinas de didáticas, e o Colégio Bom Conselho tinha a preocupação, como tem até hoje, em preparar o aluno para o vestibular.
Em 1981, no primeiro semestre, dediquei-me ao estágio obrigatório, por conta do curso de magistério, no segundo semestre fiz vestibular para Ciências, na PUC e comecei a cursá-la. Quando estava no segundo semestre da faculdade comecei a dar aula por intermédio de um contrato estadual em Alvorada, assim conciliava a faculdade e o meu trabalho.
Em 25 de fevereiro de 1983, um grande dia, o dia do meu casamento e o retorno para a minha cidade de Butiá. Transferida com o meu contrato estadual de 20h, e claro, tranquei a faculdade.
Em agosto de 1984, nascimento do meu primeiro filho, Gelson Júnior. Com o apoio de minha mãe, que sempre foi prestativa e preocupava-se, pois queria que eu voltasse a estudar, reiniciei minha faculdade em Santa Cruz do Sul. Pedi transferência da PUC para UNISC e consegui me formar no ano de 1987 em Licenciatura Plena em Matemática.

MINHA TRAJETÓRIA PROFISSIONAL

Quando terminei minha faculdade de Matemática, meu segundo filho Gabriel, estava completando um aninho, e eu me mudava para Capão da Canoa- RS, onde moro até hoje. Foi difícil a caminhada, mas com o apoio de meus pais, esposo e sogros, alcancei mais uma realização em minha vida: a minha trajetória foi toda voltada para a formação de ser professora, em nenhum momento tive dúvidas que era realmente isso que eu queria. Acho que fiz e faço o que realmente gosto, que é dar aula de Matemática.
Em Capão da Canoa, desde 1987, mais uma difícil adaptação, pois na rua onde alugamos uma casa para morar, não havia nenhum morador. De março a dezembro éramos muito sozinhos, e no verão, janeiro e fevereiro aquela loucura. Mas o trabalho e a dedicação à família fez com que superasse as dificuldades.
Em 1989 tive minha filha Rafaella, natural de Capão da Canoa. Nessa época já havia feito concurso estadual, e coincidentemente foram feitos dois concursos no mesmo dia: um pela manhã para a área dois, referente ao ensino fundamental, e a tarde para a área três, referente ao ensino médio. Já tinham se passado oito anos de contrato, e assim, após ter sido aprovada, regularizei minha situação profissional, passei a ter uma matrícula somente, a de 40h semanais.
Hoje, completados 27 anos de magistério, começo a retomar o passado, e tento buscar na lembrança momentos que marcaram positivamente a minha trajetória profissional e momentos que me deixaram frustrada, mas foram tantos os momentos bons, que esses anos de sala de aula, revigoram-me cada vez mais para continuar trabalhando com os alunos do Ensino Médio.
No primeiro ano de sala de aula, que foi quando ganhei meu contrato, na cidade de Alvorada, confesso que quase desisti no primeiro mês. O ônibus em que eu ia até lá, chamava-se Salomé, se perdia o das 12h30min, somente às 13h30min, e chegaria muito atrasada. Quando chovia, tinha que ir de botas de borracha, ou a famosa galocha preta, até aí tudo bem, mas quando tomei conhecimento da família dos alunos, apavorei-me. Tinha um menino chamado Vitor, que um dia foi roubar galinhas em um vizinho, mas quando chegou lá, foi corrido a bala de revólver. Ele me disse o seguinte: Sabe professora, fiz um ziguezague na corrida e nenhuma bala me pegou. Depois dessa declaração comecei a ficar muito assustada, e desisti do meu contrato, ficando até junho. Logo consegui outro contrato para Porto Alegre.
Trabalhei pouco tempo com os alunos de 1ª a 4ª série, como já estava cursando faculdade, em seguida comecei a trabalhar com 5ª e 6ª séries. Tenho poucas experiências com os pequeninos. A maior parte da minha trajetória tem sido com adolescentes, alguns rebeldes, outros maravilhosos. Foram todos em escola estadual concomitante com escola municipal. Já em Butiá, quando fui transferida com o meu contrato, o que mais me chamou atenção, comparando com os dias de hoje, não foi o comportamento dos alunos, e sim o comportamento dos professores diante da escola, como um todo, até mesmo em cuidar do recreio, para que nada acontecesse com os alunos. Havia escalas para isso, cada dia tinha um grupo de professores que cuidava do recreio. Hoje, a carga horária do professor é distribuída ao máximo dentro de uma sala de aula, ou seja, são 16 períodos para 20h, sobrando quatro períodos para as atividades fora da sala de aula, elaboração, correção de provas e planejamento das aulas. Assim é o funcionamento na escola que trabalho hoje.
Quanto aos alunos, têm muitos que merecem nossa consideração e insistência na aprendizagem, alunos sem nenhum incentivo familiar, cansados, com fome, e ainda assim, dispostos a sentar em uma sala de aula, e assistir uma aula expositiva dialogada, a manhã toda. Digo isso por experiência própria, pois muitas vezes, na escola onde eu trabalho, é preciso retomar o conteúdo que está sendo desenvolvido: duas, três vezes, por falta de atenção de alguns alunos. Acredito que se houvesse um espaço físico, para uma aula com mais práticas dentro de um laboratório de matemática, com data show, computadores disponíveis, enfim, recursos para darmos uma aula diferenciada, tudo isso faria a diferença para o entendimento dos nossos alunos, principalmente em ver o interesse manifestado por alguns, apesar da dificuldade de compreensão por parte de outros.
Mas o tempo foi passando, e senti a necessidade de me atualizar um pouco, fiz alguns cursos de atualização na UNISINOS, e mais adiante, em 2001, fiz uma especialização em Educação Matemática, em Criciúma, Santa Catarina, na UNESC, foram dois anos, de quinze em quinze dias, nas sextas e nos sábados. Foi muito gratificante e de grande proveito, principalmente na área de informática, pois foi quando consegui lidar melhor com o computador junto às minhas aulas de matemática.
Ao término dessa especialização comecei a trabalhar com o curso técnico em informática, na mesma escola onde trabalho há 22 anos, Instituto Estadual Riachuelo, foi gratificante e comovente, pois além de professora acabava sendo amiga e conselheira de alguns alunos. Eles desabafavam suas angústias e seus problemas familiares, mas o melhor era que eles aproveitavam os momentos de aprendizagem e tinham maturidade para as situações. Mas o que eu nunca pensei em enfrentar, e nem preparada para tal me achava, foi com uma turma do 2º ano noturno, com 50% dos alunos com idade superior a 35 anos, e um aluno com deficiência visual (cego), todos na mesma turma. Tratava-os com muito carinho e dedicação, mas me preparei psicologicamente antes de entrar na sala, pois as dificuldades eram muitas, e nada podia ficar para trás, enquanto não aprendiam, não deixavam eu me retirar e até choravam quando não assimilavam o conteúdo.
O aluno Leandro, com deficiência visual, me emocionou. Quando preparava minhas aulas ficava matutando como explicar trigonometria pra ele. Usei muito material com auto-relevo, e em casa eu fechava os olhos pra poder imaginar a sensação de não ver, para poder entender sua dificuldade. O ano se passou, as avaliações eram feitas de forma oral e o entendimento dele era comovente. Acho que foi um dos momentos mágicos como educadora: trocamos não apenas aprendizados, ou seja, segundo Freire (2003, p.47): “Criamos as possibilidades para a produção do saber”. Mas também o carinho, admiração e respeito que eu sinto por ele, me estimulava cada vez mais buscar maneiras diferentes para ele ter o entendimento do conteúdo. Ao encontrá-lo na rua, ele identifica a voz de quem está falando, principalmente das pessoas com quem ele se identifica e isto sempre acontece comigo, confesso que me dá uma sensação de alegria em pensar que consegui trabalhar com o Leandro com toda a minha falta de experiência. Quando soube deste desafio, achei que não seria capaz, mas tudo deu certo, pois realmente me preparei para esta situação e aceitei este desafio.
As experiências vividas até aqui me prepararam e, porque não, me credenciaram a um novo desafio e uma nova trajetória, que é o curso de especialização em PROEJA.
Hoje, paro durante algumas horas por dia, para dedicar-me a esta escrita de mim mesma, e percebo que é muito difícil passar para o papel toda a minha trajetória profissional, talvez muito mais teria a relatar, principalmente pela minha formação que foi sempre voltada para os números. Mas quando se têm momentos gratificantes, pessoas que te apóiam e a família estando contigo, a vontade é de contar e cantar pra todo mundo ouvir.


São tantas já vividas
São momentos que eu não esqueci
Detalhes de uma vida
Histórias que eu cantei aqui
Amigos eu ganhei
Saudades eu senti partindo
E às vezes eu deixei
Você me ver chorar sorrindo
Em paz com a vida
E o que ela me traz
Na fé que me faz otimista demais
Se chorei ou se sorri
O importante é que emoções eu vivi...

Emoções de Roberto Carlos

4 comentários:

José Francisco Bilodre disse...

Olá Rosane. Estou procurando pessoas com o mesmo sobrenome e de origem ¨HISPÁNICA¨. Só que a partir de meu pai, trocaram para portugues o nosso sobrenome e ao invez de Villodre, acabamos ficando Bilodre. Te parabenizo por toda tua luta e a carreira vitoriosa. Nada melhor que se fazer, aquilo que gostamos. Parabens.

Diogo Villodre Rodrigues disse...

Rosane,
Parabéns pelo memorial.
Sempre que acho um Villodre na rede procuro manter contato.
Minha mãe Maria Helena e tia Vera Lucia te mandam um abração.

Francisco Bilodre disse...

Á Rosane Rocha Villodre Gehres:
Ainda estou procurando contato com pessoas de origem hispánica e com o apellido igual ao meu ou com o mesmo problema de troca de nome espanhol para o portugues.
Qualquer contato favor escrever para:
josebilodre@yahoo.com.br

Paulo carrinho disse...

Que bacana ler tudo isto. Lembra do Paulinho, da tia Toninha, sou eu. Um. abraçao em ti e toda familia. Tenho um exemplar do livro do Tio Rede. A mae emprestou pra ler. Saudades dos tempos de ida de caminhao, com o meu Padrinho Rodolfo, para ponte de arame ou passo da barca. Abraços e grande beijo.