Memorial de Regis Soares Rodrigues

GISRÉ, o meu olhar sobre o teu

Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, janeiro de 2009. Uma vez passando os portões, ao longo do grande pátio se estendem vários prédios, árvores frondosas com flores magníficas, o vento quente acentua o perfume das flores de um colorido novo, a balançar num movimento festivo. A claridade do dia, a imensidão do céu, o mesmo lugar que fez parte do itinerário percorrido, durante muitos anos, por quem olhava para seus prédios com enorme alegria e esperança, acreditando mais no futuro. E o futuro se fez presente, décadas depois. A UFRGS exerce um certo fascínio sobre quem estuda lá. Ao entrar no prédio da Educação, o gesto de abrir a porta me fez lembrar de outro. Numa certa manhã, ao abrir a porta da sala de aula no primeiro dia, as lembranças estão povoadas com imagens de uma turma multiseriada, dos colegas, a professora Guerda Meyer, de quem todos gostavam muito, na zona rural do município de Camaquã, que permitiu a descoberta de um mundo novo, jamais experimentado. Este é o meu habitat, não explico de outra forma tamanho prazer, tamanha felicidade. Digo até não lembrar, em minha vida, sentir-me assim, tão feliz, a não ser agora.
Por quê? O que provocou esse despertar? Voltar e significar essa experiência revelou-se inquietante e necessário na medida em que posso fazê-lo com um conhecimento que não tinha na época. Estava na quarta série de uma escola rural. Hoje, voltar à própria atividade docente e refletir sobre ela, investigar sobre a prática numa perspectiva teórico-reflexiva sobre a pessoa e o profissional, invadir um espaço protegido na minha mente, não é confortável. É refazer a própria vida.
Não tenho muitas lembranças da minha infância. Alguns fragmentos que a memória guardou se referem à escola, à importância que teve na minha trajetória de vida. Lá me sentia feliz, pode-se dizer até deslumbrada, porque, consciente ou inconscientemente, ela apontava a esperança de um futuro melhor. A escola foi determinante na minha vida. Enquanto muitos iam estudar obrigados, para mim era diferente. Em casa, tinha o dever de ajudar meu pai, assim como meus irmãos, e isso eu deveria priorizar. Para poder ficar por algum tempo despercebida e fazendo o que mais gostava e me dava prazer, eu me escondia para ler. Nem sempre dava certo e, muitas vezes, o único tempo que sobrava era na hora de dormir e, como não havia luz elétrica, lia à luz de um lampião, o que me prejudicou até a visão. E assim, desde pequena, a minha relação com a escola era muito especial, era uma perspectiva de vida. Representava um caminho que apontava para dias melhores.
Outro fragmento foi a separação dos meus pais, quando eu tinha seis anos, e a falta que eles fizeram. Não dá para minimizar a importância desse fato na minha vida. Ainda que eu quisesse, não dá. O vazio desta perda ficou. As pessoas têm o direto de separar-se, mas não o de abandonar os filhos. Esse fato mudou a minha vida, influenciando na minha trajetória. Só não influenciou a minha determinação de estudar!
Nasci no dia 21 de janeiro de 1958, em Gaurâma, no Rio Grande do Sul. Nesse ano, ¨Paulo Freire participou de um congresso educacional na cidade do Rio de Janeiro, apresentando um trabalho importante sobre educação e princípios de alfabetização. De acordo com suas idéias, a alfabetização de adultos deve estar diretamente relacionada ao cotidiano do trabalhador.¨
Os registros que tenho datam de 20 de dezembro de 1972, certificam que a aluna Regis Soares Rodrigues frequentou o curso Supletivo – Programa de Educação Integrada, conforme Acordo S.E.C/MOBRAL, de 27 de janeiro de 1972, atingindo a 4ª Série do 1º grau, no Grupo Escolar Santo Antônio Maria Claret, em Esteio, RS.
No ano de 1977 conclui o curso Supletivo, em nível de 1º grau, na época com dezenove anos, na Escola Rodolfo Von Ihering, em Taquara, RS.
Em dezembro de 1980, me formei no curso Técnico em Contabilidade, na Escola Cenecista de 2º Grau Dr. Edmundo Saft, em Taquara-RS. Foi nessa época que comecei a olhar a educação e a figura do professor com outros olhos. Através de alguns professores, sem perceber, vivenciei a doutrina de Paulo Freire. Pela dificuldade que sempre tive com matemática, o professor Cláudio Kaiser representou um divisor de águas. Sua humildade e postura pedagógica de estar sempre aberto a aprender e a ensinar, trouxeram-me a certeza de que aprender e gostar de matemática é possível, confirma-se, na prática, a pedagogia de Paulo Freire (2007, p. 42)

Às vezes, mal se imagina o que pode passar a representar na vida de um aluno um simples gesto do professor. O que pode um gesto aparentemente insignificante valer como força formadora ou como contribuição à do educando por si mesmo.

No ano de 1989 passei a trabalhar como secretária na Escola Técnica Estadual Monteiro Lobato, em Taquara-RS, onde reencontrei alguns dos meus professores do equivalente ao ensino médio. O convívio nesse ambiente foi decisivo para eu me voltar para a educação profissional. A experiência adquirida ao trabalhar diretamente com a direção e a equipe pedagógica da Escola, a participação no Conselho Escolar e no Círculo de Pais e Mestres me possibilitou ter uma visão mais clara e abrangente do sistema educativo e suas necessidades.
No final de 1993, formei-me Bacharel em Ciências Contábeis, pelas Faculdades de Ciências Contábeis e Administrativas de Taquara/FACCAT. Nessa época, já estava na área da educação, trabalhando na Escola Técnica Estadual Monteiro Lobato.
Em outubro de 1995, conclui a Especialização em Marketing, pela FACCAT. Comecei este curso, que utilizo muito, incentivada pelo seu diretor-geral, professor Delmar Henrique Backes. Às vezes, não se percebe a relação do Marketing com a educação mas, ao contrário do que se pensa, o Marketing está inserido em tudo o que fazemos, até na postura ética do professor.
Em 2003, assumi um contrato de 20 horas semanais para lecionar na Escola Técnica Estadual Monteiro Lobato. Essa experiência foi enriquecedora. Leitora ávida de tudo o que pudesse aumentar meu conhecimento, estudei muito e passei a ter uma nova postura diante da vida, conduzida novamente pela Educação.
Em abril de 2007, conclui o Programa Especial de Formação Pedagógica – Ensino Profissionalizante–Licenciatura Plena, pela Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC, RS.
Outra experiência prazerosa acentuada pelo desejo de aprender mais, transformar a minha realidade através da educação.
Hoje, na UFRGS, sou aluna do Curso de Especialização em Educação Profissional Técnica de Nível Médio Integrada à Educação Básica na Modalidade Educação de Jovens e Adultos.O olhar esperançoso da menina encontra o da mulher que acredita que os nossos sonhos são reais, só dependem de nós e do quanto de vontade temos para buscá-los.

REFERÊNCIAS

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia – Saberes Necessários à Prática Educativa. São Paulo: Paz e Terra , 2007.
Vida e Obra. Paulo Freire, Sócrates e Platão.Disponível em .Acesso em junho de 2009.

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