Memorial de Rose Boeira Ramos Francisco

Rose Boeira Ramos Francisco
Turma: B – Proeja /2008
UFRGS


1. Consciência e autonomia: o que sou e como cheguei até aqui.
Para falar da minha caminhada como educadora é preciso, antes de tudo, falar das minhas escolhas e questionamentos, que desde de muito cedo colocaram vários pontos de interrogação em minha cabeça, logo, em minha mente. Que segundo José Ottoni Outeiral, em seu livro Adolescer: Estudos sobre adolescência, 1994:
“A mente organiza-se através de vários tipos de experiências, das quais gostaria de referir as experiências sensoriais, táteis, visuais, sinestésicas, físicas - em processo de desenvolvimento e organização na criança e no adolescente – e psíquicas, que começam, evidentemente, desde o início da vida do indivíduo.”
Essas experiências ao longo dos anos, deram forma a minha mente. É, como se minha trajetória, tomasse a forma de um mosaico inacabado, sempre em constante construção, ganhando forma e cores através de sons, imagens e infinitos questionamentos.
Assim, começo pela infância, e como qualquer criança, tudo era motivo de questionamento, quem sou? Por que essa é minha família etc, indagações essas, que estão presentes no imaginário de qualquer criança.
O primeiro conjunto significativo de som e imagem, do qual me recordo é de uma reportagem, em que o jornalista, Hélio Costa falava que a estação espacial, Scailab, cairia na Terra. E me perguntei, será que poderá cair encima da minha casa?! Indagações de criança. Na época, estava com quatro anos de idade.

Eu aos quatro anos de idade, e meu irmão, na Redenção.

Nessa época, aos domingos, minha família costumava assistir o SBT, e a noite sempre passava uma reportagem sobre a semana do presidente, e entre cinco ou seis anos de idade, perguntei a meu pai por que nosso presidente era chamado de general e todos a sua volta e ele próprio usavam farda?!
Um tempo depois, entre os anos de 1978 e 1979, não entendi porque aquela moça sempre chorava ao cantar uma certa canção. Era a cantora Simone, cantando a música de Geraldo Vandré (1968): Pra não dizer que não falei de flores:

“... vem ,vamos embora que esperar não é saber
Quem sabe faz a hora, nação espera acontecer...”

Alguns anos mais tarde, no início de minha adolescência, um movimento chamou minha atenção: “Diretas Já”, na época, não consegui compreende-lo, nos noticiários vi a euforia e depois a tristeza dos que empunham esta bandeira.
Passado algum tempo, vejo nossa TV ligada, não era hora dos noticiários,mas os repórteres cobriam, em tempo integral uma votação. E neste momento dei me conta de que alguma coisa muito importante estava acontecendo, e comecei acompanhar a transmissão e a euforia como muitos pronunciavam o nome de Tancredo Neves, outros proferiam “ Tancredo Neves e José Sarney” , ao final daquele inusitado programa, vi choro, alegria e emoção estampados em muitos rostos. E esses momentos me prepararam para o que viria depois.
“Uma das tarefas essenciais da adolescência é a estruturação da identidade. Embora comece a ser “construída” desde o início da vida do indivíduo, é na adolescência que ela se define, se encaminha para um perfil tornando essa experiência um dos elementos principais do processo adolescente.” (Outeiral,1994)
Aos onze anos, cursando a 6a. série do ensino fundamental, fico desapontada, quando aquele presidente, tão festejado alguns meses antes, é internado num hospital, antes mesmo da tão sonhada posse.
Nesses dias que se seguem sinto um misto de pesar e orgulho. Pesar por aquele senhor que agoniza em um hospital, orgulho, por esse mesmo senhor ter escolhido um jornalista gaúcho para ser seu porta voz, mal sabia eu que no futuro desaprovaria as atitudes deste gaúcho para com nosso estado.
Ao longo do mês de abril, acabei por me colocar totalmente à parte do que acontecia na cena política do Brasil, e não uma, mas por várias vezes, me vi debatendo com alguns colegas de 6a. série, uns poucos que não se interessavam por uma grupo musical portoriquense, a doença do presidente, o rumo do nosso país etc. E por falar em música, lembro-me que “Coração de Estudante”, música predileta do Presidente Tancredo Neves; foi executada por todas as rádios e TV's durante os momentos de comoção do falecimento de Tancredo Neves.

Coração de estudante
(1983)
Música e letra: Milton Nascimento e Wagner Tiso
Quero falar de uma coisa,
Adivinha onde ela anda?
Deve estar dentro do peito
Ou caminha pelo ar
Pode estar aqui do lado
Bem mais perto que pensamos
A folha da juventude
É o nome certo desse amor
Já podaram seus momentos
Desviaram seu destino(...)

O dia vinte um de abril de 1985, foi emblemático em minha vida, pois não acreditei que o nosso presidente havia morrido, e justamente no dia do herói da república. Naquela época considerei muito, a possibilidade de assassinato, inclusive a compartilhei com dois de meus colegas de escola.
Naquele mesmo ano de 1985, chegou a minha escola um professor de história que trouxe luz as minhas indagações. Foi assim que minha consciência política e autônoma foi sendo construída. O professor Sérgio veio cobrir a falta de professor para a disciplina de “moral e cívica” para minha turma, mas na pratica ele lecionava “cidadania, consciência política e democracia”.
O professor Sérgio foi a primeira pessoa a me esclarecer sobre a situação atual do país. O que significava aquele momento na nossa história. Explicou como foi e o que ocorreu em nosso país entre os anos de 1964 e 1984. Muitas vezes ele vinha para aula com um rádio toca –fitas, e ouvíamos músicas de festivais, como a do Geraldo Vandré, as músicas do Chico Buarque de Holanda, Caetano Veloso etc. Após ouvi-las ele nos explicava seus significados. Assim como, o significado de exílio para os brasileiros, durante os vinte anos de ditadura militar.
A ele devo meu primeiro contato com os povos indígenas e sua maneira de ser e viver. E o meu respeito e admiração por um povo que sabe viver em harmonia com a natureza e se preocupa no que irá deixar para as gerações futuras.
Um belo dia ele chegou na sala de aula com um rolo de filme e um projetor, neste rolo de filme havia imagens de uma reserva indígena, com todo esplendor de sua sábia cultura. Pela primeira vez um professor havia iluminado à possibilidade de ver “os índios” como parte da nação brasileira. Entendi finalmente o significado de uma canção, que repetia o seguinte verso:”todo dia, era dia de índio”, e não apenas aquele 19 de abril, quando nas escolas, se recebe um desenho para colorir e se pinta o rosto, para assim “comemorar”! Mas comemorar o que mesmo?! A usurpação das terras desse povo, o desrespeito a sua religião e cultura! Afinal o que é mesmo cultura?Ou ainda, como ela é construída ou definida? E como vejo a cultura do “outro”?! Segundo o antropólogo Roque de Barros Laraia, (1986):
“A nossa herança cultural, desenvolvida através de inúmeras gerações, sempre nos condicionou a reagir depreciativamente em relação ao comportamento daqueles que agem fora dos padrões aceitos (...) O fato de que o homem vê o mundo através de sua cultura têm como conseqüência a propensão em considerar o seu modo de vida como o mais correto e o mais natural. Tal tendência, denominada etnocentrismo, é responsável em seus casos extremos pela ocorrência de numerosos conflitos sociais.”
Minha autonomia esteve presente nas eleições de 1989, mesmo impedida de votar, pois só completaria dezesseis anos em outubro daquele ano, não me omiti do processo eleitoral, pois diferentemente da maioria de minhas colegas, não me deixei influenciar pelas escolhas de minha família (meu pai era Brizola e minha madrasta era Collor), minhas colegas eram a favor dos candidatos de seus pais.
Mas eu queria entender o processo e escolher por conta própria, assim acabei mudando meus hábitos. Eu era a primeira a pegar o jornal e sempre o abria pelo fim, para conferir a programação da TV, cinema e ver o Horóscopo. Passei a ler o jornal a partir da capa, pois era ali que estavam as noticias que mais me interessavam no momento: tudo sobre os candidatos, as análises dos debates, as pesquisas etc.
Todos os dias eu assistia, na integra, o horário eleitoral, quase sempre só eu e a TV. Os debates, eu não perdia nenhum, pois precisava escolher sozinha o candidato que apoiaria.
Todos esses acontecimentos que relatei foram decisivos na construção de minha cidadania. Essenciais em minha formação de educadora. Em minha prática como professora de história trago comigo, dois preceitos fundamentais: a ética e o respeito ao educando.

2. Escolhas de vida, um longo caminho: da infância a sala de aula.
Ser professora, não era minha primeira opção, na verdade nem mesmo existia primeira opção. Quando criança sonhava em ser bailarina. No entanto, nunca freqüentei aulas de balé, pois perdi minha mãe aos oito anos de idade. E logo minha mãe foi substituída por uma madrasta.
A partir daí meu sonho de vida passou a ser: crescer, trabalhar e tornar-me independente. Sempre consciente de que estudar era fundamental para alcançar o meu objetivo, por mais adversas que fossem as condições ou situações.
“...a adolescência é um período caracterizado por varias mudanças significativas na vida do indivíduo. A definição de identidade da pessoa constitui a base do sistema de valores que tem maior probabilidade de permanecer com o indivíduo para o resto da vida.” (Rosa, 1998)
Durante minha adolescência a música me ajudou a superar as dificuldades. Nunca fui tiete, ou de cobrir as paredes com fotos de artistas. Tive apenas um ídolo, e não era por beleza exterior, e sim pela sua poesia, inteligência e entendimento da alma dos adolescentes. Suas letras expressaram minhas angustias e incertezas. Questionavam a ordem política do país. Sua banda de rock era autentica e raramente aparecia em programas de televisão. Mas nem por isso fazia menos sucesso. Pelo contrário, reunia grandes multidões em suas apresentações.
Meu maior sonho de adolescente era ir a um show da Legião Urbana. Sonho que só pode realizar aos vinte anos de idade. E assim me inseri na faze adulta, tenso realizado meu grande sonho, num sábado a noite, de 30 de abril de 1994, no Gigantinho. Foi a terceira e última apresentação da Legião, em Porto Alegre. E eu estava lá.
No ensino médio, pensei em ser arqueóloga, mas pesquisando descobri que só havia uma universidade que tinha esse curso e ficava no Rio de Janeiro. Logo, desisti da arqueologia. Ainda assim, a disciplina de história, sempre foi uma das minhas paixões, logo, cursar história sempre esteve nos meus planos. Ainda que em algum momento da vida, apenas pelo prazer de aprender e pesquisar, e não para tornar-me professora.
“No mundo moderno a escolha de uma profissão tornou-se assunto extremamente complexo, em face da multiplicidade de ocupações existentes nas sociedades industrializadas.” (Rosa, 1998)
Aos dezoito anos, ainda tinha dúvidas, mas como já estava trabalhando, eu poderia estudar, pois teria como pagar meus estudos. Prestei o vestibular de inverno, para o curso de história. Tive meu nome publicado no jornal, no listão de aprovados da Unisinos.
Cursei o primeiro semestre, que era composto por cadeiras comuns a todos os cursos, o antigo básico. No ano seguinte minha vida tomou outro rumo, saí de casa, fui morar com minha avó e tive que trancar a faculdade. Entretanto aproveitei para fazer cursos de desenho, que era outra das minhas paixões. Após este período decidi mudar de curso.
Assim fui cursar arquitetura e Urbanismo, também na Unisinos. O tempo foi passando, o curso era diurno e eu precisava trabalhar. O material era muito caro , e me vi, fazendo as coisas mais loucas só para poder estudar, como por exemplo: trocar as férias por um dia de folga na semana durante todo um semestre; ou trabalhar mais horas no sábado e reduzir horário de almoço para estudar uma manha,; sair antes do termino da aula, coisa que detesto até hoje, para ir correndo para o serviço etc.
E no meio dessa correria toda acabei quebrando o pé. Parei e me dei conta de que todo o sacrifício, pelo qual eu passava, não rendia muito, pois o maximo que consegui, foi cursar três disciplinas em um semestre. Portanto, não tinha turma, não acompanhava meus colegas, o curso não rendia e a frustração foi tomando conta de mim.
Decidi que precisava tomar um novo rumo na minha vida e reavaliar o que realmente dela queria. Por questão de honra (durante minha infância e adolescência minha madrasta me chamada de “retardada e incapaz”), eu queria um diploma, ter uma formação acadêmica. E concluí o que já sabia, gostava muito de desenhar, mais amava ler, pois na minha infância os livros foram a minha principal companhia, e sempre fizeram parte da minha vida.
No curso de arquitetura havia adorado a disciplina de história que explicava a arquitetura e também o cotidiano da antiguidade. E sinceramente não me via projetando casas modernas ou em canteiros de obra. Sonhava sim, em restaurar casas antigas. Cujo, as quais não me cansava de admira-las quando passava pela independência, rumo ao trabalho, numa loja no bairro Moinhos de Vento, em Porto Alegre.
Foi ai que tomei uma decisão que mudou o rumo da minha vida, depois conversei sobre ela com uma grande amiga minha e com meu noivo. A idéia era retornar para o curso de história, que me daria outras oportunidades de trabalho, até mesmo à noite e depois de formada retornaria para concluir o curso de arquitetura.
Nesta mudança, me impus uma meta: fazer sempre cinco disciplinas e obter notas acima de oito. Essas metas foram ponto de honra para mim. Assim, retorno ao curso de história da unisinos em fevereiro do ano 2000.
Antes do término deste primeiro semestre, ocorre o inesperado: eu realmente me encontro na vida, no mundo das idéias, das palavras das teorias. E dou adeus a arquitetura. Decidi que mão queria lidar com tijolos e cimento e sim desvendar o mundo dos livros. Termino o primeiro semestre do ano 2000, completamente apaixonada e empolgada pelo curso. Pois vem de encontro a todas minhas aspirações da infância e da juventude. Entretanto, ainda não tenho idéia se serei boa professora, ou se devo mesmo lecionar. Uma vez que, para me inserir na educação de “outros” é fundamental o comprometimento com:
“O conjunto de preocupações que informam o conhecimento histórico e suas relações com o ensino vivenciado na escola levam ao aprimoramento de atitudes e valores imprescindíveis para o exercício pleno da cidadania, como exercício do conhecimento autônomo e crítico; valorização de si mesmo como sujeito responsável da história; respeito as diferenças culturais, étnicas, religiosas, políticas, evitando qualquer tipo de discriminação; busca de soluções possíveis para os problemas detectados em sua comunidade, de forma individual e coletiva; atuação firme e consciente contra qualquer tipo de injustiça (...)” (BEZZERRA, 2003)
Também foi neste primeiro semestre que tive o prazer de conhecer Paulo Freire, na disciplina de “Teorias da Aprendizagem”, e o livro “Pedagogia da Autonomia”, que marcou muito, levando-me a refletir toda a minha vivência escolar.
“Um dos saberes fundamentais à minha prática educativa é o que me adverte da necessária promoção da curiosidade espontânea para a curiosidade epistemológica
Outro saber indispensável à prática educativo- crítica é o de como lidaremos com a relação autoridade – liberdade, sempre tensa e que gera disciplina com indisciplina.” (Freire, 1996)
Durante a graduação, fiz amizades valiosas, participei de semanas acadêmicas, estudava muito. Li como nunca, no ônibus, no trem, na fila do banco na hora de almoço, em todos os momentos livres. Nas aulas me empolgava com o relato das colegas que já lecionavam e com as aulas maravilhosas de vários professores. e após a primeira prática de ensino obtive a confirmação de que havia trilhado o caminho certo.
E decidi que queria começar. Mas eu ainda não estava formada, então só havia duas possibilidades de trabalho: estágios ou contrato emergencial. Então redige meu currículo e em outubro de 2001 distribui nas escolas particulares do meu município e me inscrevi pra contrato emergencial na 2a. CRE , em São Leopoldo . E fui tocando a graduação, sempre trabalhando e estudando.
Em dezembro de 2002 recebi um telefonema de uma escola em Alvorada, na qual havia deixado meu currículo, para participar de uma seleção. O nervosismo tomou conta, pedi conselhos para minha colega e amiga da faculdade, pois eu teria de ministrar uma aula.
No dia da seleção, deparei-me com concorrentes mais seguros e experientes e outros com menos empolgação do que eu. Após as entrevistas e as apresentações das aulas, a diretora nos levou para conhecera escola. E fui embora, na expectativa, que talvez pudesse ser selecionada.
Para minha sorte, eles procuraram uma pessoa sem experiência e vícios de outras escolas. Alguém que ainda estivesse estudando, assim poderia ser contratado como estagiário, através do CIEE. E foi com um misto de alegria e entusiasmo que recebi o segundo telefonema para comparecer a escola.
Assim comecei a lecionar, duas vezes por semana, trabalhando com as disciplinas de história e geografia, para uma 4a. e 5a. séries. O começo foi muito difícil, afinal tudo era novidade para mim. Quase todo o mês de fevereiro foi dedicado para treinamento e planejamentos de planos de curso; divisão dos conteúdos por trimestre; objetivos e procedimentos. Coisas que nunca antes havia feito e para as quais a universidade não havia me preparado.
Foi um sufoco, mas consegui e fui aprendendo muito, com minha diretora e minhas colegas. Principalmente, por ser uma escola nova no município, não havia espaço para egoísmo ou exibicionismo. Tudo dependia e ainda depende do trabalho em conjunto.
Portanto, o ano de 2003, para mim foi o ano de esperanças. Esperanças renovadas para o Brasil, através do governo do primeiro presidente do povo, esperança de ver o fim da miséria em nosso país, e esperança no meu ingresso como docente, na minha nova caminhada.
Foi um ano de muito trabalho e também de muitas alegrias, como a descoberta de minha vocação. E o contato e o carinho dos alunos foram essenciais para que eu me apaixonasse pela profissão. E através das palavras de Paulo Freire dirigi meu olhar de modo especial para meus alunos. Ele foi meu companheiro de inicio de caminhada. E por muitas vezes vivenciei suas palavras:- “Ensinar exige risco, aceitação do novo e rejeição a qualquer forma de discriminação”- E tinha a impressão que a cada dia eu mais aprendia do que ensinava, ou melhor, ensinava aprendendo com meus alunos, através da atenção, dedicação e do carinho.
Em meio a isso tudo, os alunos da 5a. série me escolheram para ser a professora conselheira, ou regente. E no meu aniversário recebi deles uma festa surpresa, foi meu melhor presente naquele ano, não a festa em si, mas o carinho que deles recebi, a satisfação de me sentir professora. Principalmente porque faço aniversário no dia dos professores.
Em 2004 concluo a graduação, revisitando a história política do nosso país, entre 1964 e 1984. É através da pesquisa, me deparo com tantas outras facetas do regime militar. Encanto-me com a luta pela Anistia, me emociono lendo “Fome de Liberdade” - Relato dos Presos Políticos (Gilney Viana e Perly Cipriano), do presídio político, Frei Caneca, que fizeram greve de fome para pressionar o Congresso Nacional a aprovar uma lei de Anistia : Ampla Geral e irrestrita.
Portanto, a Anistia foi o tema do meu trabalho de conclusão de curso. E como em 2004 fazia quarenta anos do golpe. Minha turma escolheu “Os anos de chumbo”, como tema da nossa formatura. E minhas amigas brincavam comigo, dizendo que o tema havia sido escolhido especialmente para mim. E no dia da tão sonhada formatura, fui chamada para a colação de grau ao som de Chico Buarque:

Vai passar (1984)
Vai passar nessa avenida um samba po.....pu......lar
Cada paralelepípedo da velha cidade essa noite vai se arrepiar
Ao lembrar que aqui passaram sambas imortais
Que aqui sangraram pelos nossos pés
Que aqui sambaram nossos ancestrais
Num tempo página infeliz da nossa história,
passagem desbotada na memória
Das nossas novas gerações
Dormia a nossa pátria mãe tão distraída
sem perceber que era subtraída
Em tenebrosas transações
Seus filhos erravam cegos pelo continente,
levavam pedras feito penitentes
Erguendo estranhas catedrais
E um dia, afinal, tinham o direito a uma alegria fugaz
Uma ofegante epidemia que se chamava carnaval (...)


Realização de um Sonho...

Em 2005 outros ventos me levam a novos caminhos como professora. Novamente um telefonema me instiga a mudança. Dessa vez era para trabalhar em uma escola estadual em Novo Hamburgo, Lomba Grande. No mesmo dia, vou conhecer a escola e ver se haveria possibilidade de conciliar ambos os trabalhos.
Em nove de novembro de 2005 inicio minha trajetória na escola estadual Madre Benícia, onde tenho meu primeiro contato com a Educação de Jovens e Adultos. Nunca antes havia lecionado a noite, e o trabalho com as turmas de EJA foi muito gratificante. E mais uma vez me reporto às palavras de Paulo Freire, levando em conta toda a sabedoria e bagagem cultural dos meus educandos, pois segundo Freire, “ensinar exige respeito aos saberes dos educandos”.Com eles mais aprendi do que ensinei. As aulas foram uma interação entre alunos e professora. Pois como tão bem escreveu Paulo Freire-Ensinar exige segurança, competência profissional e generosidade-e por experiência própria digo: que generosidade gera generosidade e respeito mútuo e algo mais, que floresce em forma de amizade e admiração. Assim, turmas de EJA passaram a ser “minha menina dos olhos”.
No ano de 2006, fui duplamente agraciada pelos meus alunos: na escola de Alvorada, meus alunos daquela quinta série, de quando comecei a lecionar, agora na oitava série, novamente me escolhem para regente; e a turma da Totalidade 6, também me escolhe para mesma tarefa. Portanto fiquei responsável por duas formaturas, uma de adolescentes que eu vi crescer, outra de jovens e adultos que muito me ensinaram. Neste momento, senti o reconhecimento pelo meu trabalho, através do carinho e da amizade de meus alunos. E essa satisfação e alegria, são a maior recompensa de ser professor.
“...os professores também são pessoas importantes para os adolescentes se identificarem e, neste sentido têm uma participação essencial no processo. A maioria das pessoas adultas é capaz de lembrar de professores importantes, com os quais se identificou, da mesma forma que daquelas com os quais buscou ser completamente diferente.” (Outeiral, 1994)
Não importa as condições. Se for uma escola pública ou particular, pois quando se tem amor pelo que se faz, e se acredita no potencial dos nossos educandos, tudo é possível. Independentemente das adversidades somos capazes de fazer um ótimo trabalho e através dele fazer a diferença. E mais uma vez, me reporto às palavras de Freire:
“A segurança com que uma autoridade docente se move implica uma outra, a que se funda na competência profissional.Nenhuma autoridade docente se exerce ausente desta competência. O professor que não leve a sério sua formação, que não estude, que não se esforce para estar a altura de sua tarefa não tem força moral para coordenar as atividades de sua classe.” (Freire, 1996)
Portanto, professor não deve viver de queixas, deve sim correr atrás de seus sonhos. Tampouco deve esperar paga pela diferença ou pelo que faz a mais por seus alunos, pois ser educar é isso, é se doar, é fazer parte da vida de seus educandos, é ajuda-los a construir e a conquistar sua cidadania.
E não se engane, pois quando trabalhamos com amor, sempre recebemos mais do que damos. Carinho, amizade, reconhecimento e satisfação de se sentir educadora e fazer parte da vida dos seus educandos, com ética e respeito mútuo.
Acredito, que quando se é honesto com nossas responsabilidades, nos tornamos dignos e merecedores das recompensas que a vida nos oferece. Dessa forma, me considero merecedora de fazer parte do PROEJA.


Referências Bibliográficas
FREIRE, Paulo.Pedagogia da Autonomia. São Paulo:Paz e Terra,2000.
KARNAL, Leandro(org.) ; BEZERRA, Holien Golçalves & outros.História na sala de aula:
conceitos, praticas e propostas. São Paulo: Contexto,2003.
LARAIA, Roque de Barros.Cultura: um conceito antropológico.Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Editor,2003.
OUTEIRAL, José Ottoni. Adolescer: Estudos sobre Adolescência . Porto Alegre: Artes
Médicas,1994.
ROSA, Merval. Psicologia Evolutiva: Volume IV, psicologia da idade adulta. Petrópolis, 1998.

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