Memorial de Fábio Vinícius da Silva

EDUCAÇÃO VALORIZADA PELA PRÁTICA
Fábio Vinícius da Silva
Porto Alegre, 2006
Memorial apresentado para o Curso de Especialização em Educação Profissional Técnica de Nível Médio Integrada ao Ensino Médio na modalidade Educação de Jovens e Adultos, desenvolvido junto à Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, sendo este um trabalho de avaliação de um dos módulos do curso.
“Mas se se acende a fornalha que faz entrar em ebulição o caldeirão mágico da criatividade, preparam-se os caminhos que conduzem dos subterrâneos reprimidos do inconsciente até o nosso mundo diurnos-institucional; abrem-se as portas das feras selvagens não reprimidas; soltam-se as águias". (Alves, Rubem)
SUMÁRIO
PALAVRAS PRELIMINARES
1. O INÍCIO
2. O INÍCIO NO PROCESSO ESCOLAR
3. A VINDA PARA PORTO ALEGRE
4. 8ª SÉRIE E O ENSINO MÉDIO
5. A UNIVERSIDADE
6. EU, O PROFESSOR
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

PALAVRAS PRELIMINARES
Gostaria de expor antes de qualquer coisa que, tenho grande dificuldade em escrever sobre mim, já que infelizmente a minha geração (menos que das anteriores) foi criada no momento em que o Brasil esperava tornar-se o país do futuro, havia grandes expectativas com relação ao futuro do país. Estas expectativas eram relacionadas ao fato de o país ter se tornado urbano, abandonando o campo a própria sorte. Este “novo país” passou a incentivar a área urbana e industrial, com isso foi sempre nos imposto como modelo de vencedor no Brasil, pessoas que iriam trabalhar nestas áreas, engenheiros, arquitetos, administradores, etc.
Isso de certa forma sempre me deixou frustrado e tornando-me envergonhado de mim por duas razões. A primeira é que nenhum parente meu era dessas áreas e sempre quando tinha apresentação na sala de aula, eu tinha vergonha de dizer a profissão de meus pais, já que não possuíam uma profissão dita comum, nós éramos proprietários de um bar na cidade. Sendo assim não via perspectiva para um futuro dito como “vencedor”. A segunda é que nunca gostei desse tipo de profissão dita como modelo, eu queria ser, motorista de caminhão, agricultor ou soldado.
Mesmo possuindo essa dificuldade de falar de mim, hoje vendo com novos olhos, tenho orgulho de pensar o diferente em uma geração de “iguais”, infelizmente na época não conseguia pensar dessa forma, e assim criar uma perspectiva em relação a minha pessoa.
Farei nas próximas páginas uma exposição em dos principais aspectos de minha vida que considero como determinantes para minha escolha profissional, sabendo que nunca nós somos imparciais e que quando nos referimos a história nunca podemos dizer a verdade, pois a verdade é como uma montanha que possui vários lados, logo estarei narrando o lado da montanha que estou enxergando. A citação de Rubem Alves exposta acima, de certa forma é uma prévia do que irei narrar adiante, onde a fera selvagem (águia) que foi solta refere-se ao meu interesse pela área educacional, pois até um certo momento de minha vida não havia, pelo menos, intencionalmente interesse de minha parte pela carreira da educação. Essa narrativa história será sem muito aprofundamento teórico sobre cada fase, pois pretendo tornar a leitura mais clara possível.

1. O INÍCIO
Minha trajetória de vida inicia percorrendo um pequeno território do interior do estado do Rio Grande do Sul, sendo depois transformada em uma nova aventura pela capital do estado.
Eu nasci no dia doze de julho de mil novecentos e oitenta e um, no município de Giruá. Você sabe onde é? Provavelmente como a maioria das pessoas não. Então na capital quando me perguntam eu respondo: Do lado de Santa Rosa. A terra da Xuxa!! a resposta é imediata: Ah tá!!. Bom mas vamos ao que interessa.
Essa cidade possui uma história peculiar em relação as demais da região. Ela não foi um núcleo de colonização do estado, ao contrário de todas as demais da região. As colônias de imigrantes que se posicionaram nas redondezas de onde hoje é Giruá, tais como as Secções Santa Rosa e Santo Cristo, bem como o Núcleo Guarani (este reservado aos poloneses, sendo minha família pertencente a este), estas colônias recebiam um aparato do estado na organização da colonização. Porém passaram-se os anos e as famílias de imigrantes começaram a crescer, formar novas famílias e os pequenos lotes de terras não conseguiam mais conter o crescimento demográfico. A saída para essas novas famílias foi buscar áreas onde não havia núcleo populacional formal (entenda-se por formar os organizados pelo estado, já que havia posseiros e índios residindo nestas terras), e aí começou a ocupação das áreas marginais de colonização. A história de minha família anterior ao meu nascimento é essa, de êxodo para novas áreas, essas famílias construíram o novo município que emancipou-se de Santo Ângelo em 1955. Hoje vendo de longe percebo que todos na cidade, engenheiros, bancários, etc. Possuímos na verdade um passado comum e entendo por que diferente das demais cidades do interior não pode-se dizer que é uma cidade alemã, polonesa, russa, etc porque ela recebeu o excedente de todos esses núcleos colonizatórios, vendo que a “vergonha” de falar de mim é algo ilusório e criado pela sociedade.

2. O INÍCIO NO PROCESSO ESCOLAR
Apesar de meus pais terem apenas até a segunda série do Ensino Fundamental eles sempre incentivaram meu irmão e eu para estudar. Lembro-me que minha mãe tentava me ajudar sempre nos estudos, mas as vezes o que nos ensinavam em sala de aula era muito além do que ela havia aprendido, mas mesmo assim ela tentava sempre nos ajudar. Lembro ainda que meu pai nas férias sempre dizia para lermos um livro senão iríamos esquecer tudo que havíamos aprendido.
Iniciei meus estudos na Escola Estadual de 1º Grau Otávio Bós. Esta uma escola pública, mas reconhecida na cidade pela qualidade que possuía. Localizada bem no centro da cidade, recebia em sua maioria alunos que residiam no centro também, mas muitos alunos, eu por exemplo, deslocavam-se de vilas da cidade ou ainda da zona rural para estudar nela. Estudei nela até a quinta série, quando nos mudamos para Porto Alegre.
Recordo-me alguns detalhes do primeiro dia na escola, quando ingressei no pré. Ainda antes lembro-me dos preparativos para ir a aula, estava muito apreensivo, pois afinal de contas, agora eu finalmente havia crescido e iria enfrentar mais um desafio na vida. Eu tinha milhares de expectativas em relação a escola e também possuía muito temor, principalmente com relação aos professores, pois todos me diziam para não conversar, não brincar, respeitar a professora, etc.
Quando finalmente nossos pais saíram da sala e ficamos a sós com a professora teve três alunos que começaram a chorar desesperados pela falta dos pais e talvez pelo medo dos professores, pois acredito que também colocaram medo neles. Depois daqueles três alunos chorando iniciaram mais dois. Daí um medo meu foi resolvido, pois a professora ao invés de “devora-los” como eu acreditava foi até eles e conversou com eles, fez carinho e disse que seria muito bom o dia, pois iríamos brincar muito.
Do primeiro ano de escola o que lembro-me é das brincadeiras, dos amigos, afinal de contas de uma hora para outra meu número de amigos ficou enorme, amigos estes que estudaram comigo até a quinta série e alguns ainda nos falamos até hoje. Lembro ainda que a cada época especial, páscoa, dia do índio, dia da bandeira, etc faziam trabalhinhos que usávamos com orgulho, ainda que com a pintura toda torta, mas foi nós quem fizemos. Na sala de aula tinha um armário onde cada aluno tinha uma caixa de camisa, encapada, e com o nosso nome, onde era guardado o material que havíamos levado para a escola. Eu tinha um super orgulho da minha caixa de camisa porque além de eu ter decorado (confesso que era uma das mais tortas, tanto que até hoje sou péssimo em artes) fui eu que saí para ir nas lojas pedir, pois meus pais não poderiam sair do trabalho. Só Deus sabe a dificuldade que foi, apesar de ter conseguido na segunda loja que pedi. Sair de casa sozinha, ir para a escola e ainda depois ter de falar com estranhos, dificuldade que tive até pouco tempo. Mas quando saí da loja com a caixa tive um super alívio. Ainda desse primeiro ano lembro que me apaixonei pela menina que iria ocupar meus sonhos até a quinta série, o nome dela era Alícia, ninguém nunca soube disso, nem meus colegas, lembro que as vezes era difícil se concentrar perto dela. Bom esse foi meu primeiro ano na escola.
Quando iniciou a primeira série, lembro-me de dois detalhes. O primeiro que alguns alunos que não fizeram o pré no primeiro dia de aula choravam muito, e nós que éramos “veteranos” fomos conforta-los. O segundo é de uma frase que ouvi até concluir a universidade: “- Esse ano é fácil, mas ano que vem vocês terão de ser melhores, porque senão vão ficar para trás.” Frase essa utilizada geralmente para nos incentivar a escrever mais rápido ou na universidade a ler os textos que estávamos sempre atrasados.
Não pretendo aqui esclarecer anos após ano, então farei um apanhado geral destes cinco primeiros anos.
A escola que estudei sempre teve uma fama de ser disciplina, organizada e nós alunos deveríamos honrar isso a todo custo. Para ter uma noção que como era organizada, quando dava o sinal para os alunos entrarem para as salas de aula, todos deveriam ficar em fila no pátio, separados de pré a oitava série, por meninos e meninas e por tamanho. Nesta fila aguardávamos a diretora da escola (pessoa que temíamos como o diabo) falar para todos, geralmente a silêncio absoluto era conseguido com alguns chingões, e com o silêncio iniciávamos uma oração, que geralmente era o “Pai Nosso”, para daí irmos para a sala. A disciplina na escola era algo que era muito zelado por todos os professores, tanto em sala de aula como no pátio. Apesar de hoje discordar um pouco de alguns métodos da escola, acredito que em muitas coisas ela estava correta, pois vários ensinamentos que foram passados na escola sigo até hoje, e sinto falta que noto que algumas pessoas não tiveram a mesma educação que tive.
Bom ela é realmente uma escola tradicional, mas foi onde tive meus primeiros passos, teve coisas que aprendi a adorar e detestar lá. O tema de casa foi algo que nunca gostei, desde a primeira série, mas algo que aprendi a gostar muito graças aos “incentivos” de professores foi a leitura. Na escola havia uma biblioteca, que assim como hoje, eu me perdia e ficava com muitas dúvidas de quais livros deveria levar. Esses livro pedidos pelas professoras eu lia e viajava junto com a história. Aí já nas séries iniciais fui descobrir que tenho uma dificuldade enorme de concentração na leitura, pois inicio com o autor e termino comigo criando outra história. Sempre tive grande dificuldade em algumas disciplinas da escola por causa desse problema. Mais tarde fiquei orgulhoso em receber um orgulho indireto de Mario Quintana, quando ele disse a frase “O leitor que mais admiro é aquele que não chegou até a presente linha. Neste momento já interrompeu a leitura e está continuando a viagem por conta própria.” Bom essa frase serviu como uma luva para mim.
Desses primeiros anos de estudo teria muitas histórias para relatar, inclusive sendo difícil para mim separar o que foi significante para me tornar professor ou não. O correto seria eu relatar as experiências em relação aos estudos, mas para mim o que mais marcou em todos os anos de escola foram as experiências com os colegas e professores, mais ainda que os conteúdos. Lembro-me de vários momentos onde tínhamos que provar nosso companheirismo e nosso sentimento de solidariedade e estes momentos foram os mais marcantes para mim, inclusive tendo reflexos na escolha da profissão que sigo hoje. Foram esses laços de amizade e solidariedade, fortalecidos pelos ensinamentos de minha família em relação a ajudar ao próximo que fizeram escolher uma profissão que tem que se relacionar com pessoas e não com números ou com máquinas.

3. A VINDA PARA PORTO ALEGRE
Agora eu estava com meus onze anos de idade e ansioso pelo novo desafio que estava a minha frente. Minha família por dificuldades financeiras teria de se mudar do local onde cresci e tinha amigos que sinto falta até hoje. Meu irmão que é mais velho, já havia viajado dois anos antes para Porto Alegre e estava trabalhando e morando com minhas tias. Nós o viamos como um herói, pois havia conseguido vencer em Porto Alegre, devido nossas dificuldades, meus pais resolveram vender nossa casa e mudar-se para a capital. Eu estava super feliz, pois iria sair do interior e viajar para a capital, mais que isso, iria morar na capital, para mim não era nenhum sofrimento até a hora da partida, pois queria muito.
No momento que finalmente iríamos nos mudar já comecei a sentir saudades, meus amigos prepararam uma festa de despedida surpresa, eles organizaram tudo e fizeram um dia antes de minha viajem. No outro dia nos mudamos, viemos de carona em um caminhão de um super mercado do município, com alguns móveis, algumas roupas, pouco dinheiro e muitas dúvidas sobre o futuro.
Chegando em Porto Alegre ficamos por um ano no apartamento de uma tia, em um bairro da zona norte, enquanto não comprávamos uma casa. Casa essa que foi comprada um ano depois e confesso que passei a entender uma das primeiras coisas relacionadas a Geografia e Economia. No interior tínhamos um terreno enorme e uma casa enorme, com o dinheiro da venda dessa casa, conseguimos apenas dar entrada em uma casa de madeira velha, em uma rua de chão batido, sem estrutura nenhuma em um terreno que media apenas o tamanho da sala e cozinha da antiga casa do interior.
Esse primeiro ano na capital, foi para mim muito sofrido, porque como relatei anteriormente, tive sempre dificuldades para conversar com pessoas estranhas, e fazer novas amizades requer conversar com estranhos. Estudava no turno da manhã e lembro-me que as tardes eram intermináveis, pois ficava olhando da janela do apartamento a movimentação da sala sem conversar com ninguém.
A escola que conseguimos vaga fica bem próximo do apartamento onde morávamos e antes de iniciar a aula contava os minutos para poder voltar a escola. Será que iria conseguir novos amigos? Essa pergunta me seguiu as férias toda até o dia da primeira aula.
No dia de reinício não só das aulas, mas de uma vida, fiquei muito apreensivo ao chegar na escola, pois os alunos eram todos diferentes da antiga escola. Ao invés de fila para entrar para a sala, havia apenas um cartaz nas portas com os nomes dos alunos. Ao entrar na sala, seu aspecto me deixou aterrorizado, a sala de aula era uma sujeira só, riscos pelas paredes, quadro quebrado, classes quebradas, janelas sem vidros, etc. Quanto aos alunos, todos já se conheciam e conversavam sobre as férias, os professores e eu em silêncio apenas ouvindo, sentado no local que escolhi, perto da classe da professora, para amenizar o medo. Fiquei imaginando como seria se estivesse no interior, com meus amigos, nossas conversas sobre banhos de rio, cachoeira, etc. Será que alguém ali conhecia cachoeira? Provavelmente não respondi-me, pois as conversas eram outras.
Finalmente chegou a professora com quase meia hora de atraso, para mim acostumado com a outra escola era algo totalmente diferente. Alguns alunos gostaram e gritaram de alegria ao revê-la, outros vaiaram, eu apenas apreensivo.... A professora falou um pouco sobre o novo ano e iniciou a chamada, daí os alunos que ela não conhecia deveriam se apresentar. Não me recordo se havia algum outro novo na turma além de mim, pois estava muito nervoso e o nervosismo aumentou, quando foi chamado meu nome e eu respondi: “- presente” ao invés do “presenti” respondido pelos demais, meu sotaque destacou-se na sala e a risada foi geral, a professora apenas pediu para ficarem quietos e pediu para me apresentar. Detestei esse dia e a professora porque não tomou uma atitude sobre o fato, recebi vários apelidos “colono”, “sem terra”, etc. Hoje em aula quando algum aluno mostra-se diferente dos demais por questões regionais eu o dou os parabéns, falo que sou do interior, que a maioria dos pais dos demais também são e falo sobre a vida no interior, acaba pelos demais alunos falando que nas férias viajam para o interior e adoram. É a forma como tenho de fazer esse aluno se sentir familiarizado com o ambiente. Não tive de chingar ninguém, apenas conversei. Esse problema seguiu pelos demais dias, mas um professor, o Alexandre de Educação Física, na apresentação dos alunos em sua aula, quando disse de onde era (mesmo antes disso, alguns já falaram ele colono, etc.) colocou-me um apelido que ajudou a resolver aquele problema. O professor começou a chamar-me de “Giruá”, gostei porque foi de forma carinhosa e porque havia alguns na escola que tinham apelidos tipo, “Bagé”, “Alegrete”, “Uruguaiana”. Ainda hoje alguns ex colegas quando nos encontramos me chamam desta forma e sinto-me orgulhoso.
Passado o primeiro dia de aula, tive certeza que a impressão do primeiro dia de aula, quanto a desorganização, não havia sido apenas impressão. A escola mostrou-se para mim nesses próximos anos apenas como um local que eu poderia sair de casa, já que não possuía amigos. Alguns professores eu passei a detestar nesse ano, porque só gritavam com a turma o tempo inteiro e mesmo assim a turma não correspondia como queriam, era uma turma bagunceira realmente.
No segundo ano na escola recebi uma professora, a Juraci de Português, adorei ela como ninguém, porque sempre me incentivou a escrever, trabalhava bastante com poemas, histórias, coisas que adorava, sendo que encontro a Juraci e outras pessoas que vão surgir ainda no decorrer deste memorial como a representação dessa mensagem de Fernando Pessoa, "O valor das coisas não está no tempo em que elas duram, mas na intensidade com que acontecem. Por isso existem momentos inesquecíveis, coisas inexplicáveis e pessoas incomparáveis". São essas professoras seres inesquecíveis e incomparáveis para mim.
Sempre quando tinha que escrever alguma história ela me elogiava pela criatividade e lia a minha história para toda a turma. Talvez por causa dela aprendido a gostar de escrever, pena que os professores e o currículo dos próximos anos minaram minhas expectativas, pois na sétima série, a aula de português era só aquelas coisas chatas de objeto direto, indireto, etc. coisas que as pessoas que estão lendo este memorial notaram que não aprendi até hoje. Nesse ano fiz apenas o suficiente para passar de ano.
Sempre fui uma pessoa com algum senso crítico em relação aos acontecimentos e as pessoas, talvez por isso tenha escolhido em fazer o curso de história na universidade. Lembro do dia que a professora Juraci na sexta série pediu para escolhermos um poema e ler para a turma, devendo justificar o porque da escolha. Eu pesquisei e escolhi “Rosa de Hiroxima” de Vinícius da Moraes, e para entender mais do poema pesquisei sobre a Segunda Guerra Mundial, após a minha justificativa para a turma que estava em círculo fui muito aplaudido pelos colegas pela minha explicação, onde questionei muito as brigas e disse que nossa escola também era uma guerra pois tínhamos “Hiroximas”, sendo estas as crianças frágeis e tínhamos os Estados Unidos, os mais fortes que abusavam da força.

4. 8ª SÉRIE E O ENSINO MÉDIO
Estava chegando ao final mais uma etapa. Agora no final do 1º Grau deveríamos escolher se continuávamos na escola, ou se buscávamos uma escola com algum curso técnico. No ano que estava concluindo a seleção para as escolas deveria ser através de uma ficha onde preenchiamos na própria escola que estudávamos, com três opções de escolas. Muitos se inscreveram em escolas distantes de nosso bairro. Eu propriamente, não sabia o que queria, nada me agradava, então resolvi ficar no Santa Rosa, local onde estudava, ainda tentei fazer uma prova para o curso de mecânica na Escola Parobé, mas nem fui ver se passei ou não.
Apesar de nos primeiros anos na escola ter sofrido muito, quando estava na oitava série, já estava familiarizado com a escola e os professores, consegui muitos amigos que tenho ainda até hoje.
Quando ao Ensino Médio (2º Grau na época) não o vi com grandes perspectivas, matriculei-me no turno da noite, comecei a trabalhar de estagiário em uma empresa durante o dia e ia para as aulas durante a noite.
Por incrível que pareça lembro-me de mais dados do Ensino Fundamental, que do Ensino Médio, mesmo esse vindo depois. O que consigo me lembrar é que a escola era um local onde poderíamos voltar a ser nós mesmo. Voltar a ser nós mesmos, porque durante o dia, tínhamos que seguir regras dentro do trabalho, ser robôs. Durante a noite era diferente, iríamos ter aula, e poderíamos conversar conversar com os amigos sobre coisas que gostássemos.
Durante essa fase da vida, juntamente com meus colegas de aula, montamos uma banda de Rock, mesmo ninguém sabendo tocar nenhum instrumento. Daí começamos a correr atrás para aprender a tocar, dividimos quais os instrumentos que cada um deveria aprender e fomos a luta.
Mas foi uma fase difícil o Ensino Médio, nós não sabíamos o que queríamos e isso nos preocupava, na medida que o tempo passava. Lógico, o sonho era ser músico, mas nós sempre tivemos os pés no chão e sabíamos de nossas limitações. Uma professora em especial marcou essa fase da minha vida, era a professora Linei de Português, mais tarde ela tornou-se diretora da escola.
Ela tinha um jeito diferente de conversar com a gente, ela não nos tratava como crianças, conversava muito, aceitava nossa opinião e inclusive elogiou a música que nós mostramos para ela, nossa primeira música. Hoje sei que ela fez só para nos incentivar, pois a música é muito “podre”. Mas aquilo que ela fez serve-me de exemplo para com os alunos. Nem sempre devemos ser sinceros, pois seus ritmos são diferentes e muitas vezes um elogio, mesmo que falso pode ajudar muito essa criança a sentir-se valorizada.
Outra coisa que ela ensinou e que uso com os alunos, e dá certo, é ser carismático e amigo deles, nas aulas da professora Linei, nós prestávamos atenção e iamos a aula com prazer, diferente das outras que era uma obrigação. Lembro de vários episódios que estávamos na quadra “matando aula” e jogando futebol, isso no horário de verão é possível, quando a Linei aparecia na escada e gritava: “-Vamos para a aula” e nós saíamos correndo para a sala, enquanto que para os demais nós iríamos pular o muro da escola. Esta professora entendia os anseios da juventude e procurava entender, bem como tinha como objetivo, nos ouvir para assim nos tornarmos parte da escola e não apenas passageiros da escola.
...Mas também pode (e deve) entendê-la como um espaço social onde se estabelecem relações interpessoais e onde, é claro, os alunos podem exercitar a cidadania. A escola, vista numa leitura de escala como microcosmos, constitui o cenário no qual coletivos de indivíduos precisam cooperar entre si, lidam com conflitos, pautam-se por códigos específicos, assumem atitudes, atendem necessidades e manifestam seus interesses... (PADRÓS. E. 2002. p. 40)
Foi uma fase difícil, de rebeldia que era apenas o reflexo da nossa falta de perspectiva em relação ao futuro. Quando chegou o terceiro ano Ensino Médio, tive um professor de Física que me fez gostar dessa disciplina que inclusive meu primeiro vestibular foi para Física – ainda bem que reprovei -, eu gostava de Física porque tinha lógica aquilo que era mostrado, diferente das outras disciplinas como Matemática, História e Geografia, isso serve-me de exemplo para hoje em História não abordar apenas o passado, mas sim tentar relacionar com temas presentes.

5. A UNIVERSIDADE
Passado os dois primeiros anos de conclusão do Ensino Médio, eu estava ainda sem interesse por estudar. Segui a vida de trabalhar ter a banda de amigos que nós utilizávamos mais como diversão do que propriamente algo sério. Mas foi a banda quem acabou por direcionar a minha escolha de curso de deveria seguir. A partir do momento que começamos a sair a noite e tocar também em alguns bares de Porto Alegre, começamos cada vez mais a interagir com grupos diferentes dos que conhecíamos até então. A grande maioria desse pessoal era ligado a algum movimento social, partido político de esquerda, ou pelo menos eram simpatizantes desses grupos. Logo nos vimos procurando cada vez mais fazer músicas de protestos e nessa busca pelas causas dos problemas passei a interessar-me por história, já que era fundamental entender o passado.
Em casa também tive uma influência para seguir o curso de história, meu irmão mais velho já estava cursando e eu adorava ouvir ele “discursar” sobre temas que considerava interessante. O meu irmão foi de suprema importância, já que foi ele quem deu o maior apoio sempre, aliás, ele sempre me apoio em qualquer escolha que tenha feito na vida.
No final de fevereiro de 2001, estava eu, entrando na faculdade que iria permanecer nos próximos quatro anos, até a conclusão do curso, sendo esta a FAPA – Faculdades Porto Alegrenses. Aquilo tudo era muito novo para mim, pois a última experiência que eu tinha de sala de aula, era do Ensino Médio, sendo este uma bagunça. Lembro que já no primeiro dia de aula cheguei atrasado e quando achei a sala entrei bem quietinho, de cabeça baixa, e olhando para os cantos. Era uma turma diferente, havia muitas pessoas mais velhas que eu, isso me assustou um pouco, na medida que temia não poder acompanhar o conteúdo. Ainda de pé na sala, naqueles segundos que são intermináveis, enquanto estamos em frente a todos, fiquei trêmulo, pois a sala estava lotada, mas aí encontrei uma pessoa conhecida na sala, era um amigo de alguns anos a trás e fui sentar-me ao lado dele. Amigo esse que me acompanhou por todo o curso, dividimos medos e alegrias em relação ao curso.
Quando da apresentação dos alunos, fiquei nervoso, pois todos sabiam exatamente porque estavam ali, eu era diferente, não sabia bem ao certo porque o curso de história. Mas tive de me apresentar, daí quando de responder o porque do curso, respondi o que a maioria disse, que era para dar aulas. “-Dar aulas!!” Isso nunca tinha passado pela minha cabeça, detestava a profissão de professor, queria ser qualquer coisa menos professor. Pensava dessa forma também, por causa do preconceito que existe quanto a profissão, preconceito esse que nunca entendi muito bem, pois sempre achei a profissão muito séria.
O primeiro ano de curso para mim foi muito difícil, pois descobri que não sabia ler. Estava na faculdade e não entendia o que os textos diziam, lia, achava que havia entendido, mas na aula descobria que não havia entendido nada do texto. Foi um ano de muito terror para mim, além de não entender os textos, eram muitos textos, meu trabalho não dava tempo para mantê-los lidos.
Nesse ano tive experiências que fizeram eu continuar no curso. Havia um professor que nesse ano ministrou a disciplina de História da Arte, era o Ricardo Fitz, eu achava magnífico a forma como ele explicava a matéria, de uma forma que me fazia viajar, coisa que mais gosto, como já relatei acima. Esse professor acabou servindo-me de inspiração para permanecer em história.
Na turma que eu estava havia muitos colegas que eu admirava muito também, pois eram muito inteligentes e me ajudavam sempre que necessário. Além do colegas e do professor acima citado teve outro que também adorei. Esse professor era diferente do outro, o Fitz todo mundo adorava, esse outro era o Pedro, a maioria detestava, pois ele fazia “terrorismo” com os alunos, com relação as avaliações. O professor Pedro sempre admirei ele, pois apesar de ter alguns problemas explicava muito bem a matéria e desde o Ensino Fundamental sempre tive melhor melhoria de gravar o que é dito, do que é lido. Lembro-me de um trabalho em grupo que deveria ser apresentado na disciplina dele, todos estávamos muito tensos, tanto que marcamos até no domingo para se preparar. Quando chegou nossa vez de apresentar, fomos e falamos, eu fiquei muito nervoso e me enrolei, queria explicar cada detalhe e era muita coisa, e também não sei se estava explicando corretamente. O terror que sentia era em saber que esse professor não poupava palavras, se tivesse que criticar ele iria criticar. Mas como o tempo estava curto e já era hora do intervalo ele pediu para mim para a apresentação e disse que deveríamos terminar na próxima semana, porém eu deveria falar apenas o principal, sem se preocupar com os detalhes. Essa crítica dele poderia ser levada para o lado negativo, mas achei que da forma como ele falou foi elogio, pois disse que dominamos o conteúdo, porém deveríamos ser mais sucintos, Na outra semana falamos e excencial e fomos elogiados por ele, bom ser elogiado pelo Pedro era muito bom, já que era o “terror” da faculdade.
Bom esse primeiro ano serviu só para manter-se vivo e aprender muita coisa em relação ao conteúdo, que a cada dia achava mais interessante.
No início de 2002, consegui um estágio para trabalhar na área de história, era no Gabinete de Reforma Agrária do Governo do Estado do Rio Grande do Sul. Quando fui chamado fiquei muito feliz, pois ao chegar no local de trabalho descobri que iria trabalhar em um departamento chamado de Divisão de Terras Públicas, resumindo, era o local onde ficavam todos os mapas desde 1850 de colônias de imigrantes, bem como livros de cadastros com todos os nomes de imigrantes, valores pagos, os títulos de posse das terras e muitos outros materiais relacionados as colonizações e assentamentos elaborados pelo estado desde 1850. Neste emprego fiquei por dois anos, tempo máximo do estágio, tive a oportunidade de aprender muita coisa no emprego e de aproximar com um movimento social que até então tinha proximidade, que era o MST.
Esse ano foi um dos mais felizes para mim na faculdade, pois além de estar gostando do curso, agora tinha uma finalidade prática o que estava estudando.
Não pretendo descrever todo o curso aqui nestas páginas, mais sim os momentos mais significativos em relação a tornar-me professor.

6. EU, O PROFESSOR
Quando iniciei o estágio não me imaginei dando aula, agora eu queria trabalhar apenas com pesquisa. Mas como o tempo foi passando e chegou o momento de fazer o estágio, tive uma certa apreensão, pois nunca me havia imaginado dando aula e agora deveria fazer o estágio.
A turma que escolhi para fazer o estágio, era de EJA, na Vila Santa Isabel em Viamão. Foi durante o estágio que passei o gostar de dar aulas, pois na medida que o tempo foi passando fui perdendo o medo e tornando-me cada vez mais seguro. No início não sabia exatamente o que fazer em sala de aula. Possuía bastante conhecimento relacionado a teoria, mas achava que sempre deveria saber mais. Tudo o que havia aprendido nas disciplinas de didáticas, pareciam insuficiente para tirar as minhas dúvidas. Aprendi ainda que em aulas tradicionais na faculdade que deveriamos usar de um tal de construtivismo, no início até que parecia simples, mas na hora de por em prática.... Achava que toda aula deveria ser diferente das que eu tive, mas na verdade não conseguia fazer nada diferente, parecia que havia uma barreira que me impedia de ir adiante. E hoje sei que havia mesmo essa barreira, era a insegurança, insegurança essa que só foi possível transpô-la após um ano como professor do estado.
Como meu estágio estava chegando ao fim, comecei a me inscrever nos contratos do estado para começar a dar aulas. Terminado o estágio trabalhei por três meses em uma área não muito ligada a história, trabalhei em uma oficina mecânica, pois precisava terminar de pagar o curso.
Quando finalmente fui chamado para dar aula em duas escolas públicas da região metropolitana de Porto Alegre, fiquei super feliz e fui com todo o animo.
Quando iniciou as aulas, foram os quatro meses mais longos da minha vida. Caí de para-quedas, como centenas de professores caem todo ano nas escolas, sem apoio de ninguém e tendo de enfrentar uma situação nova. Tinha que preparar doze aulas diferentes, já que eram várias disciplinas para várias turmas, sem falar na dificuldade em conseguir controlar os alunos. Sabia de muita coisa que havia aprendido na faculdade, mas lidar com seres humanos é muito difícil e cada dia, cada turma e cada aluno são especiais. Como lidar com todos? Aprendi que não deveria falar alto e mais um monte de coisa e passei esses quatro meses tentando não utilizar.
Meu segundo ano como professor foi bem mais calmo, assim como os demais. Já sabia o que trabalhar com os alunos, passei a entender suas cabeças e hoje consigo trabalhar com as turmas de forma diferente e criativa. Posso dizer que durante esse tempo uma frase de Paulo Freire pode explicar o que estava ocorrendo comigo, após o término do curso “quem ensina aprende ao ensinar, quem aprende ensina ao aprender”.
Hoje quando paro para refletir sobre minha situação em sala de aula, fico feliz, pois não posso dizer que foi uma profissão planejada. Muito pelo contrário, como citei antes, era uma das últimas, mas como as coisas foram acontecendo naturalmente, sem grandes choques, quando me dei conta estava em sala de aula. Todos os medos que tinha no início, principalmente em relação a não repetir as aulas que meus professores me deram, foram superados e hoje quando olho para mim em sala de aula, sinto como um dever cumprido, ainda que não tenha parado, estou sempre me especializando, preparando-me com novos métodos didáticos para que realmente possa trabalhar fazendo uma educação de qualidade.
CONCLUSÃO
Chegando ao fim deste memorial, fico na expectativa de ter conseguido trabalhar com a questão da memória, pois como dizia um professor meu: “Falar de quem ainda esta vivo é bem difícil”, eu completaria dizendo que é mais difícil ainda escrever de nós mesmos. Tenho certeza que muitos outros pontos poderiam ter sido abordados, mas busquei fazer uma síntese sobre o processo evolutivo, por isso mesmo não entrei em por menores de cada um dos períodos.
Fiquei muito feliz com a conclusão deste memorial, pois pude rever alguns pontos de minha caminhada ao longo do meu início de carreira como professor, de ver que muitas de minhas angustias foram superadas e que as restantes com certeza com a experiência que estou adquirindo logo serão coisa do passado.
Quando estava no último semestre de faculdade ouvia de meus colegas de curso que não havíamos aprendido nada durante o curso, porque durante a prática era tudo diferente. Hoje vejo que o que aprendi na faculdade foi de muita importância para a minha prática. Pois se não fosse os professores nos indicando o caminho que deveríamos seguir, e nos mostrando novas teorias e práticas pedagógicas para que pudéssemos escolher, com certeza no momento de entrar em sala de aula iríamos apenas reproduzir aquilo que nos foi ensinado da mesma forma sempre.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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HUGHES, Phillip. Objetivos, Expectativas e Realidades da Educação para os Jovens. In. A educação para o século XXI questões e perspectivas. Porto Alegre: Artmed, 2005. p. 35 – 44.
LUKÁCS, G. Ontologia do ser social. São Paulo, Ciências Humanas,1990.
PADRÓS. Enrique S. Papel do Professor e Função Social do Magistério: Reflexões sobre a Prática Docente. In. Ensino de História Formação de Professores e Cotidiano Escolar. Porto Alegre: EST, 2002.

Um comentário:

Ritieli disse...

sor esse memorial me mostrou mais sobre o senhor porque você é uma pessoa explendida que sabe exercer a sua profissão e eu tirei muitas duvidas sobre o senhor e tambem soube aprender que mesmo que a agente não goste de uma profissão um dia ela pode ser o nosso grande futuro!!sor fábio eu te adoro muito e gosto muito que na oitava série o senhor vai me dar aula denovo
beijos te amu