Memorial de Maria Teresinha Kaefer e Silva

“As lembranças que tenho da infância, são na sua grande maioria dentro do espaço da escola”.

1 - O Início...

Quando tinha 02 anos de idade, minha mãe foi trabalhar de servente numa escola pública da nossa cidade. A escola fazia divisa com a nossa casa. Minha mãe dedicou-se durante 33 anos a escola e eu a acompanhava diariamente. Quando maiorzinha já a ajudava nas tarefas de limpeza. Nesta mesma escola fiz o Ensino Fundamental e mais tarde fui professora.
Chamo-me Maria Teresinha Kaefer e Silva, tenho 40 anos, sou a filha caçula de uma família de 11 filhos, do interior de São Nicolau, região das Missões, no Rio Grande do Sul.

2 -Da dúvida a certeza...

Fiz magistério, porque minha mãe queria muito, a princípio fui contra a vontade, estudei durante 03 anos em colégio de freira-Santíssima Trindade em Cruz Alta. No meio do curso comecei a gostar, a me sentir atraída, (eu tinha 15 anos e nunca tinha saído de casa). Consegui me formar e voltei a minha cidade natal, onde fiz estágio na 2ª série e já fui trabalhar como professora contratada do município e cedida para uma escola do estado. No primeiro ano de magistério, participei de uma greve (na época do governador Jair Soares). Foi o inicio de uma carreira cheia de lutas e conquistas.

No final de 1984, fui à cidade de Ijuí, sozinha e sem conhecer ninguém, apenas com o desejo de me inscrever na Universidade, num curso que pudesse me abrir horizontes e satisfazer pelo menos um pouco minha inquietude. Tremendo e muito deslocada fiz o vestibular e para minha alegria consegui passar. A partir daí cursei a faculdade de Pedagogia Magistério e Orientação Educacional, durante as férias, pois trabalhava numa escola durante o ano letivo. Aprendi muitas coisas na Universidade, entre elas; a certeza de que devemos lutar por aquilo que acreditamos que a pesquisa é a articulação da teoria com a prática.

Durante este período de 05 anos, que durou a faculdade, casei-me e tive um menino uma linda menina. Trabalhei numa escola de Magistério, na minha cidade, onde fui professora de Didática, Filosofia, bem como Coordenadora de estágio deste curso. Foi uma época em que cresci muito com as (os) alunas (os) do Curso de Magistério, e pude perceber a importância de um trabalho feito com prazer e dedicação, bem como a responsabilidade que tinha enquanto educadora de educadores.

Em 1998 saiu a Pós–graduação em Educação-Latu-sensu em São Luiz Gonzaga, cidade vizinha de São Nicolau, tendo como área de concentração “Currículo por Atividades”, vindo ao encontro do trabalho que estava realizando no curso Magistério, esforcei-me e consegui fazê-la. Tendo duração de 18 meses, trabalhei com a pesquisa sobre “A responsabilidade social e política do professor”, numa escola de assentamento. Neste mesmo período prestava assessoria a Secretaria Municipal de Educação do município de Garruchos (divisa com a Argentina), trabalhando com os professores e a comunidade a construção de uma “Escola Participativa”. Assessorei este município em torno de 3 anos.

3 - Novas experiências...

Em 1999, resultado de muita militância, de um contingente de trabalhadores a candidatura Popular venceu as eleições estaduais para governo do Estado, implantando um projeto democrático e de participação popular. Envolvi-me durante os quatro anos na militância da EJA, na coordenação Regional da EJA/MOVA-RS em São Luiz Gonzaga na 32ª CRÊ (Coordenadoria Regional de Educação), no ano de 1999 e em São Borja no ano de 2000, onde mensalmente fazia assessorias aos educadores e apoiadores populares.

No ano de 2001, meu esposo ficou desempregado, então viemos a Bento Gonçalves à procura de emprego e melhores oportunidades.

Em 2001 e 2002 continuei trabalhando com a Educação de Jovens e Adultos na 16ª CRE de Bento Gonçalves.

Durante o período de 1999 a 2002, tive a melhor oportunidade da minha vida enquanto sujeito agente da história, fazendo parte de um grupo de pessoas que acreditavam na mudança, na construção da história por todos, acima de tudo valorizavam o saber de cada um, pude participar de formações até então desconhecidas por mim, saindo um pouco do senso comum construindo um saber um pouco mais elaborado.

“Posso dizer que foram os melhores anos de minha vida profissional, serviram para regar o meu “apaixonamento” pelos movimentos sociais, pela luta coletiva de deixar o mundo menos feio”.

Ainda em 2000 e 2001, iniciou-se um projeto ousado da escrita coletiva de um livro, que retratasse a Educação Popular, os movimentos sociais e sua importância nesta construção desde os MEBs, Círculos de Cultura, até o MOVA-RS, no qual fiz parte. Carlos Rodrigues Brandão “o Brandão“ como carinhosamente o chamávamos foi o organizador deste projeto, escrevendo, auxiliando na pesquisa e escrita dos capítulos. No decorrer do processo de escrita do livro, teve alguns momentos com Balduíno Andreolla (UFRGS), Moacir Gadotti (Instituto Paulo Freire-S. Paulo), Conceição Paludo, Rodrigo Gimenez (FUA/ Argentina), Alfredo Ghiso ( CEAAL) Conselho de Educação de Adultos da América Latina- Colômbia, nos subsidiando com histórias de lutas e conquistas em relação a EJA e movimentos populares.

No mês de Outubro de 2001, foi lançado o livro, que levou o nome de “De Angicos aos Ausentes”, em homenagem a Paulo Freire. O livro foi escrito em comemoração aos 40 anos de Educação Popular. Foi uma experiência inesquecível. Pude aprender muito com todos, principalmente com Brandão a “boniteza” em nossas relações.

No desenrolar do processo de construção da Educação de Jovens e Adultos do Estado do Rio Grande do Sul, como Política Pública e de direito, participei do grupo de intercâmbio entre o MOVA-RS e o Movimento de Alfabetização “Nunca és Tarde” da FUA (Federação Universitária Argentina), na cidade de Rosário, naquele País.

Nesta caminhada, voltada para a construção coletiva do conhecimento, para a autonomia, participei das discussões e a construção do Documento de Políticas Públicas da EJA no RGS. Que contém princípios, concepção da EJA desejada. Assim como a escrita e construção do documento de Núcleos também como uma política pública e criação de um espaço alternativo para aqueles sujeitos que tem tempos diferentes para estar num ambiente de escolarização: “para quem tem tempo, para quem tem pouco tempo e para quem não tem nenhum tempo, sendo uma possibilidade de educação popular”.

Durante estas construções tivemos assessoria da Maria Clara de Pierrô, que fez sua pesquisa de Doutorado em Barcelona no núcleo “Lá Verneda”, o qual serviu de inspiração para a criação dos Neejas do Rio Grande do Sul.

Em 2002 iniciou-se um processo doloroso de construção do NEEJACP de Bento Gonçalves, pela conquista de espaço, compreensão do CEED/RS da concepção de Núcleo e a decepção de perder o governo estadual, e a luta para garantir a Autorização de Funcionamento do NEEJACP, como forma de estabelecer um espaço de resistência e sustentação de um projeto de educação popular, então, fiquei à frente deste movimento em Bento Gonçalves.

Conseguimos em Dezembro a Autorização de Funcionamento, com muita dificuldade implantou-se esta proposta voltada para a “boniteza autêntica, amorosidade, rigorosidade metódica”, numa tentativa de ação-reflexão-ação, na valorização da Gentetude do ser humano, seguindo a fala de nosso Mestre Paulo Freire.

No mês de Setembro deste mesmo ano, fui a São Paulo, com um grupo da ONG Diálogo (Assessoria e Pesquisa em Educação Popular), de POA, socializar nossa experiência de NEEJACP, através da Ação Educativa, aos professores da rede municipal da capital.
Nos anos seguintes 2003 á 2007 trabalhei com assessorias ao Sesi de Bento Gonçalves, enfocando a alfabetização, assim como na Prefeitura de Monte Belo do Sul, Prefeitura de Vera Cruz e através da UNISC - Santa Cruz, assessorias para o Alfabetiza Rio Grande ( alfabetização de Adultos).

Na III edição do Fórum Mundial de Educação e no VI ENEJA que aconteceu em POA, apresentei o trabalho intitulado “O inédito viável na EJA” falando sobre o trabalho realizado no NEEJACP METAMORFOSE, numa oficina.

Durante o ano de 2006 assessorei o CEFET-BG na implantação do PROEJA-Programa em Educação Profissional Técnica de Nível Médio Integrada ao Ensino Médio na Modalidade Educação de Jovens e Adultos, naquele Estabelecimento de Ensino, mais especificamente na formação dos professores, totalizando 120 horas, trabalhando questões de concepção da EJA, metodologias, avaliação, numa perspectiva de educação popular.

Também neste ano de 2006, surgiu a oportunidade de aperfeiçoar-me na EJA, com o Curso de Especialização em PROEJA, oferecido pela UFRGS no CEFET-BG. Foi um aprendizado interessante e aguçou a vontade de voltar-me para a pesquisa, sendo meu trabalho de conclusão voltado para a “Importância da formação de educadores na implantação do PROEJA no CEFET-BG.”.

Assim que terminou a especialização do PROEJA iniciei outra em Gestão Escolar pela UFRGS, através da Escola de Gestores, para gestor de Escola, a qual está em andamento. Também realizei uma cadeira como aluna PEC-no mestrado.

Sabendo que a educação se dá ao longo da vida, o imenso desejo que tenho de aprender sempre mais, sistematizar estes aprendizados, é que me voltei para o objetivo de realizar o mestrado, dentro de uma linha de educação popular, numa perspectiva freiriana, o qual deu inicio no ano de 2008 na UFRGS dentro da linha de pesquisa: Educação, trabalho e movimentos sociais, com a temática educação e movimentos sociais, num processo reflexivo de educação popular e movimentos sociais, exatamente um espaço de pesquisa que vem ao encontro das inquietudes, curiosidades e desejos de teorizar a prática e torná-la reflexiva, especialmente quando olhamos para a EJA como possibilidade de educação popular.

Tenho pautado minhas reflexões durante este período de docência e de gestora baseada na literatura de Paulo Freire, e de alguns autores contemporâneos como: Frigotto, Sérgio Haddad, Carlos Rodrigues Brandão, Maria Clara de Pierrô, Gadotti, Jaime Zitkoski e tantos outros, que me ajudam na compreensão da realidade que vivo , especialmente na Educação de Jovens e Adultos.

“Uma semente atirada
Num solo fértil
Não pode morrer
È sempre uma nova esperança
Que a gente alimenta De sobreviver”
(Paulinho da Viola)

Nenhum comentário: