Memorial de Jussara Rangel Piva


Quando eu poderia imaginar que com 53 anos iria escrever algo sobre mim? É uma tarefa bem difícil, pois tenho dificuldades em colocar, no papel, o que penso.

Ao iniciar este curso de Gestão Escolar não tinha noção do que iria enfrentar. Tudo aconteceu no final de 2006, quando assumi a direção da Escola Estadual Técnica Caxias do Sul. A escola apresentava vários problemas e foi preciso tomar atitudes nunca antes tomadas. Além disso, deparei-me com Cursos Técnicos que eram completamente estranhos para mim. Fui à luta e, hoje, estou aqui tentando falar de mim.

No dia 27 de agosto de 1953, em Taquara, interior do Rio Grande do Sul, nasci, Fui uma menina alegre e feliz, fiz o curso primário em uma escolinha muito pequena, mas que tive ótimos professores. Minha família era muito simples, mas o mais importante nunca faltou: carinho e amor.

Minha infância foi muito feliz, brincava muito, meus natais foram inesquecíveis e acreditei em papai Noel durante muitos anos.

Fui crescendo e sempre ouvindo que tinha que estudar, pois isso era regra em minha casa. Com muitas dificuldades meu pai colocou, a mim e ao meu irmão, na Escola Adventista Cruzeiro do Sul para cursar o ginásio. Naquele tempo, era “muito” ter o ginásio.

As necessidades foram aumentando e meu pai vendeu tudo o que tinha para ir morar em uma cidade onde houvesse emprego e a possibilidade de oferecer estudo para seus filhos. Então, fomos morar em Cachoeirinha. Já com 15 anos, apaixonei-me e, aos 20 anos, casei-se com Edson Piva com quem fui morar em Ijuí. Continuei meus estudos e formei-me em Educação Física pela Universidade de Cruz Alta – UNICRUZ. Para que isso acontecesse, viajava diariamente 40 km, ida e volta de ônibus, em estrada de chão, com muitas dificuldades, mas adorava o que fazia (tudo era festa).

Já no terceiro semestre da faculdade fui substituir a uma professora no interior de Ijuí e tive meu primeiro contato com os alunos. Aí se deu início de minhas atividades docentes.

No final do curso, engravidei de minha primeira filha, Janaina. Enquanto isso fui morar em Cruz Alta onde terminei minha graduação. De minha segunda gravidez nasceu Mariela. Neste período, mudei-me para Panambi quando iniciei minha vida como professora, pelo município. Dava aulas em uma comunidade muito pequena, onde os professores eram peças fundamentais na comunidade. Não havia nenhum material para a prática docente, pois a escola era muito pequena e as aulas de Educação Física eram ministradas no campo onde muitas vezes tinha que correr das vacas com meus alunos, mas eu adorava. Ia de carona em um fusca com mais três colegas (Ah! Se meu fusca falasse...). Aí se passaram três anos até que fiz o concurso do estado e fui nomeada para assumir turmas da Escola Estadual Poncho Verde, na cidade de Panambi.

Como era uma professora dinâmica, e minha profissão assim requer, comecei a buscar o que não tinha. Com meus colegas de área foi-se trabalhando e adquirindo espaço dentro da escola. Conseguiu-se fazer uma sala de ginástica espelhada com musculação e uma quadra coberta. Isto é o sonho de qualquer professor de Educação Física.

Durante este tempo nasceu à terceira filha, Francini.

Neste mesmo período fiz cursos extracurriculares de ginástica e coloquei uma academia própria. Trabalhava 40h na escola e, o tempo que restava, administrava aulas na academia.
Sempre fui uma professora muito presente e disciplinadora, característica nata, pois nunca mudei. Com o passar dos anos e as experiências adquiridas, fui fiel e amiga de meus alunos. Tendo sido a professora que escutava as angústias dos alunos, aconselhando-os e tentando fazer o melhor pelas suas vidas.

Os professores de Educação Física são privilegiados, pois os alunos gostam da matéria fazendo com que haja uma aproximação entre ambas as partes.

Como vice-diretora de uma das escolas que trabalhei pude ver que o meu mundo era muito pequeno, pois conheci ali o submundo. Só para explicar o que estou citando: o turno era à tarde, aluno de pré a terceira série, e alguns alunos vinham até eu contar sobre número de pedras de craque que embalaram antes de virem para a escola. Isso era chocante, chorava muito em minha casa e contava para minhas filhas, dizendo que tínhamos tudo. Foi muito difícil este período. Apesar de ter crescido como ser humano e tentado ajudar aquelas crianças, pedi para sair, pois eu sou muito comprometida para atuar em uma realidade tão dura e onde não havia condições para fazer algo a mais por elas.

Uma outra experiência como professora foi na Educação de Jovens e Adultos - EJA, foi muito bom, trabalhava com adultos, pessoas que não tiveram oportunidade de estudar na hora certa por vários motivos e que ali estavam tentando chegar a algum lugar. Aprendi muito, foi uma troca de experiência fantástica.

Passaram-se anos até que vim morar em Caxias do Sul. Comecei trabalhando na 4ª CRE, e ali tive várias experiências, algumas, boas; outras, nem tanto. Tendo sido sempre uma professora que lutou pelos seus direitos, fazendo parte dos sindicatos, líder de greves na escola de onde veio, experimentei o que acontecia do outro lado.

Após sair da 4ª CRE (troca de governo) passei por várias escolas em Caxias do Sul, trabalhando com supervisão escolar, vice-direção em duas escolas, inclusive na que hoje sou diretora.
Enquanto vice-diretora da Escola Técnica Caxias do Sul pude analisar e refletir sobre o que os professores falavam. Ia às salas de aula ouvir os alunos e saber de suas necessidades. Observei muito e detectei vários problemas no que tange as relações humanas.
Escola Estadual Técnica Caxias do Sul


Ao assumir a direção desta escola, já possuía uma boa visão do que tinha que ser trabalhado. A escola oferece Ensino Médio e Ensino Profissionalizante, duas realidades bem distintas. Foi necessário separar o joio do trigo. A Escola oferece três cursos técnicos: Mecânica – Área da Indústria, Metalurgia – Área da Indústria e Segurança do Trabalho, áreas que não detinha conhecimento, por isso era difícil trabalhar. Foi preciso trabalhar em equipe, unir conhecimentos entre a equipe diretiva e a área técnica. Uma das maiores queixas por parte dos alunos era que os professores sabiam muito, porém, não se faziam entender. Concluiu-se, então, que havia necessidade de alguns ajustes. Os professores da área técnica são, em sua maioria, Engenheiros e não possuíam o conhecimento didático, por isso tinham dificuldades em transmitir e/ou construir conhecimento. Para atender ao mercado de trabalho da região houve necessidade de se implantar tais cursos e, para isto, foram contratados tais profissionais. Como estes professores são profissionais da indústria, não dispunham de tempo para discussões sobre o planejamento de suas aulas, nem para participarem de cursos formativos e, muito menos para participarem de reuniões na escola. Este era um problema grave, pois sendo assim desconheciam o PPP existente, nem imaginavam o que era isso. Diante dessa situação comecei a conversar com eles, mostrar a realidade da escola, levar ao conhecimento deles as queixas dos alunos, perguntar o que seria possível fazer para melhorar a qualidade do ensino, mostrar que eu precisava da colaboração deles e, principalmente, faze-los sentirem-se parte integrante da escola. Estes foram os primeiros passos. A partir daí, foi possível fazer algumas reuniões para discutir conteúdos e formas de trabalhar, foram trazidos profissionais da educação para falar sobre avaliação, interdisciplinaridade, atuação frente ao aluno e, também, pessoal da SUEPRO para falar sobre o Ensino Profissionalizante (metas, metodologia, trabalhar com competências e habilidade). Sei que muito foi feito, muito foi aprendido, porém, muito ainda terá que ser feito. Acredito que estou trilhando o caminho da melhor forma possível. Erros? Muitos, mas a certeza de estar fazendo o melhor é o que me torna capaz de seguir em frente, pois quebrar paradigmas do sistema é uma tarefa árdua.

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