Memorial de Solange Marlise Estima Lazzari


Nasci em Porto Alegre/RS, numa família pobre, com sete filhos (dois rapazes, cinco mulheres). Fomos criados estilo militar, tínhamos horário estabelecido pela mãe. Levantávamos bem cedo, tomávamos café e todos juntos, com a mãe, íamos para a escola. Lembro que usávamos camisa branca de tecido chamado “volta ao mundo”, sapato vulcabrás preto e no inverno tínhamos japona com seis botões dourados. Retornávamos para almoçar, trocar de roupa e alguns minutos de descanso. Enquanto isso a mãe lavava todas as camisas e meias, pois cada um nós só tinha uma muda de uniforme. Logo todos íamos para a Sociedade Ginástica São João, onde praticávamos esportes (ginástica olímpica, esgrima, saltos). No meio da tarde a mãe abria a sacola do lanche e dava duas fatias de pão com shimier para cada um. Lá pelas 17 horas voltávamos à escola para juntos com a mãe fazer a limpeza das salas de aula. Como não possuíamos dinheiro para pagar a mensalidade escolar à mãe negociou com a Diretora a limpeza das salas de aula, varríamos as salas, passávamos pano úmido nos quadros-negro. Eu já me imaginava como professora, adorava escrever no quadro. Pensava em ser igual a minha Prof. Alda, calma, educada e que dava atenção a todos os alunos da sala.
Fiz todo o ensino fundamental, na Escola Normal 1º de Maio. Como lia tudo e muito a professora Eliane da biblioteca me deu um apelido “rata de biblioteca”. Conhecia o lugar de todos os livros na biblioteca e sabia muitas histórias. A Prof. Eliane foi uma grande incentivadora da minha caminhada de leitora. Acredito que foi a partir desta época que adotei a rotina de colocar tudo em ordem alfabética.
Quando chegou a hora de fazer o 2º grau, no meu pensamento era continuar naquela escola e fazer o magistério. Mas minha mãe não deixou, mandou eu fazer Alac, estudo mais forte e que me prepararia melhor para o vestibular, pois não tínhamos dinheiro para cursinho.
Nos sábados ensolarados íamos para um campinho de futebol, onde a mãe aproveitava e estendia as roupas na cerca para secar. Brincávamos muito, tinha um tronco de árvore que na nossa imaginação virava castelo, cavalo de pau, cabaninha. As brincadeiras era só com nós sete, a mãe não permitia amigos e sempre dizia que um tinha que ser amigo do outro e que nós nos bastava.
Domingo, dia de visitar a avó. Íamos no ônibus que meu pai trabalhava. Passávamos o dia brincando entre as árvores e animais. Minha avó era muito brava, quando olhava para nós era silêncio total. Ás vezes nós tínhamos acessos de riso é lógico que todos íamos de castigo.
Ah, esquecei de escrever que todos os domingos íamos a missa, bem cedo, antes do café. Eu não gostava, mas meu pai me dava um cruzeiro que eu passava na feira e comprava um saco de balas gasosas. Na igreja, tínhamos que sentar nos primeiro banco, pois éramos “filhas de Maria”. Minhas irmãs ficam muito bravas comigo, pois cada pessoa que entrava na igreja eu olhava para traz, além é claro que passar todo o tempo comendo as balas de forma ruidosa. Na chegada em casa as minhas irmãs reclamavam das minhas atitudes, mas minha mãe dizia a elas que era obrigação cuidar de mim e de me ensinar às atitudes corretas. Todo domingo era a mesma história, nunca consegui me livrar da missa e nem as minhas irmãs de mim.
Tudo que sou hoje agradeço a minha mãe, que nos obrigou a estudar e muito. Sempre dizia que pobre tem que ter estudo para ser alguém na vida. Nossos vizinhos sempre diziam para ela colocar todos nós a trabalhar na fábrica, pois assim poderíamos ter melhores condições de vida. Meu pai era um homem muito bom, entendia de tudo, lia o jornal do início ao fim e xingava muito os políticos e os economistas (Delfin Neto). Ele não se preocupava com o futuro, vivia o presente, amanhã se dá um jeito.
Ao término do 2º grau, estava determinada a fazer Pedagogia, mas não tinha dinheiro para pagar a faculdade. Procurei emprego, comecei a trabalhar. Fiz vestibular, no La Salle, em Canoas/RS, numa noite de muita chuva e temporal.
Fui à primeira filha a trabalhar, fazer faculdade. Minhas duas irmãs mais velhas já estavam casadas, mas eu tinha o propósito de primeiro estudar e somente depois casar. Fiz faculdade, pós graduação e somente depois casei e fui morar no interior (Garibaldi).
Fazer a faculdade foi um grande desafio, tudo o que ganhava era para pagar as mensalidades. Ganhava pouco, quando recebia pagava a mensalidade separava o dinheiro das passagens e restava quase nada. O pouquinho que sobrava juntava mês a mês e assim foi que eu fiz meu enxoval.
No La Salle, era muito conhecida pelo irmão Sérgio Luiz Silveira Dias (reitor) e do Irmão Eugênio A.Fossá, pois constantemente ia à sala dos dois para reclamar dos professores que ficavam matando tempo na sala de aula. Dizia para eles esta faculdade está muito cara e eu queria aula, precisava aprender para ser uma boa profissional. Por causa dessas reclamações tive as melhores oportunidades de estágio. A indicação para os três estágios foram feitas pelo irmão Sérgio e irmão Fossá.
Meu primeiro estágio foi com os rapazes que estavam se preparando para ser irmão lassalista. No início o irmão Fossá ficava na sala de aula o tempo todo observando a minha atuação, aos poucos adquiriu confiança no meu trabalho e só passava na porta e dava um alô. Estudei muito Burrhus Skinner, Carl Rogers, Louis E. Raths e Piaget.
O segundo estágio foi na Escola Técnica de Enfermagem do Hospital Moinhos de Vento desenvolvendo orientação profissional. Os alunos que eram funcionários do hospital tinham que ser avaliados se possuíam o perfil para futuros enfermeiros. Aplicava testes de sondagem/aptidão. Fazia entrevista de interesse. No final fazia a devolutiva ao funcionário e escrevia o parecer apto ou não para o desempenho na profissão de enfermeiro.
O terceiro estágio foi o que testou todos os meus conhecimentos de professora e pedagoga que aconteceu no Colégio Militar. O coronel, tenente e os próprios alunos não acreditavam no trabalho de estagiárias de Orientação Educacional, ainda mais que era a primeira vez que o La Salle obteve vaga de estágio no Colégio Militar. O estágio era planejado em duplas, mas desenvolvido individualmente. Os alunos fizerem de tudo para nos testar. Colocam fogo no lixo, ficavam de cuecas na sala de aula, rasgavam as folhas das atividades. Nós nunca fizemos queixas deles para o tenente disciplinar. O local do Colégio que procurei para resolver meus problemas foi na biblioteca, lá encontrei respostas para meus questionamentos. Peguei a ficha de empréstimos dos alunos e verifiquei quais eram os livros mais procurados. Resolvemos fazer um trabalho de personalidade, utilizando tintas, no salão do colégio. Adivinhem, saíram belíssimos trabalhos, merecendo análises profundas sobre as questões reveladas nos desenhos. Em compensação o salão do colégio ficou em estado lastimável. Quando o coronel ficou sabendo o que as duas estagiárias do La Salle tinham feito, nos chamou e deu dois dias de gancho. Fomos avisadas que após o gancho teríamos uma decisão: continuaríamos estagiando ou seríamos expulsas. A repercussão, o resultado do trabalho foi excelente. Os pais queriam conversar conosco, os alunos desejavam que continuássemos. Tivemos muito medo de sermos expulsa, mas o que aconteceu foi o reconhecimento do nosso trabalho e da qualidade de ensino que o La Salle exigia de seus universitários. Foi a glória! No dia da nossa formatura os alunos estavam no salão escondidos para fazer uma surpresa. Nós estávamos sentadas aguardando o começo da música e eles tocaram para nós Coração de Estudante. Adrenalina pura.
No que terminei a faculdade, fiz Curso de Pós-graduação Lato Sensu – Especialização em Administração e Planejamento para Docentes. Tive como professores: Juan Jose Mouriño Mosquera, Claus Dieter Stöbaus, Juan Antônio Tijiboy, Jaime Paviani.
Em 2004, na Furg – Fundação Universidade Federal do Rio Grande efetuei curso de extensão à distância “TV na escola e os desafios de hoje”, apresentando no 1º Seminário Estadual o projeto de utilização da tv na sala de aula.
Como professora nunca gostei de lecionar para os alunos “normais”, sempre preferi pegar as turmas de repetentes, pois acredito que a diversidade enriquece o espaço escolar. Trabalhar com repetentes é um desafio constante, pois se não atingiram os objetivos na primeira vez, significa que a segunda deve ser trabalhado de outra forma. Então decidi procurar um curso que me desse um aporte teórico para entender os processos de aprendizado necessários a esses alunos. Matriculei-me no curso Pós-graduação Educação Inclusiva, onde desenvolvi e apresentei o trabalho de conclusão sobre o uso das novas tecnologias da informação e da comunicação no processo ensino aprendizagem dos alunos com necessidades educacionais especiais. Para efetuar meus estudos tomei como referencial teórico: Susan Stainback, Wilian Stainback, Maria Teresa Eglér Mantoan, José Armando Valente.
Tenho 25 anos de trabalho voluntário junto a entidades/comunidades de vulnerabilidade social. Então concomitantemente aos estudos também desenvolvi o voluntariado. No ano de 2005 participei de um estudo do NIUE Núcleo de Integração Universidade Escola, da UFRGS, onde pesquisamos 1201 jovens, de 14 a 25 anos para termos um perfil do jovem gaúcho e sua participação social. A pesquisa teve a duração de um ano.
Em 2006, fiz pela terceira vez o concurso no município de Coronel Pilar e pela terceira vez passei em primeiro lugar, para a função de Pedagoga. Em junho de 2006, fui nomeada. Inicialmente tive que aprender a lidar com a política partidária das professoras municipais, entender as questões conflitantes e negociar com as bases. A função de pedagoga era também entendida como uma professora que nada mais fazia do que reforço escolar e que planejava e xerocava aulas para as professoras municipais. Hoje no município a visão já está mais perto da real função, mas ainda tenho muito a batalhar para ser vista e respeitada como a pedagoga que sou. Examinei as necessidades de formação de cada professora municipal e elaborei um planejamento de cursos para os próximos três anos, já iniciamos em março/2008.A partir da Escola de Gestores, iniciei o exame dos Projetos Político Pedagógico das escolas municipais, retomei aos escritos de Ilma Passos Alencastro Veiga, Ivanise Monfredini, Luciana Rosa Marques, Ivaniria Maria Buttura sobre o assunto. As escolas possuem o projeto só que não foram discutidos com as comunidades, o que será feito no decorrer do ano. Inicialmente as professoras estão se apropriando dos termos, do significado do projeto, logo que se sentirem em condições começarão a discutir com os alunos, pais e comunidade. È um processo que está no seu início, quando vai terminar é impossível determinar.
Como Milton Nascimento canta:


Quero falar de uma coisa/ Adivinha onde ela anda?/ Deve estar dentro do peito/ Ou caminha pelo ar/ Pode estar aqui do lado/ Bem mais perto que pensamos/ A folha da juventude/ É o nome certo desse amor/ Já podaram seus momentos/ Desviaram seu destino/ Seu sorriso de menino/ Quantas vezes se escondeu/ Mas renova-se a esperança/ Nova aurora a cada dia/ E há que se cuidar do broto/ Pra que a vida nos dê flor e fruto/Coração de estudante/ Há que se cuidar da vida/ Há que se cuidar do mundo/ Tomar conta da amizade/ Alegria e muito sonho/ Espalhados no caminho/ Verdes, planta e sentimento/ Folhas, coração, juventude e fé.

Um comentário:

Anônimo disse...

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