Memorial de Cleo Tavares da Silva

MEMORIAL
Cleo Tavares da Silva

APRIMORAMENTO

A escola desperta o título destas anotações. Quantas escolas? Fácil lembrar, foram cinco escolas primárias, uma escola de 2º grau e uma faculdade.
Da primeira só lembro uns três fatos relevantes que insistem conviver e levar-me, nos momentos de lembranças, de volta à peça escura, sem pintura que chamavam de escola. Seu nome, imagino que nunca soube, Sua localização estava no meio de um morro suave, talvez a uns 50 metros de altura em relação a estradinha por onde quase ninguém passava , somente os alunos de guarda pó branco surgiam pelos dois lados da mesma , enquanto outros apareciam por caminhos misteriosamente engolidos pelos matagais ao redor da escola .A professora sempre estava por ali e devia morar no local.

FATO UM – Meus pais não sabiam tanto quanto eu considerava – 1º ano primário, em minha alfabetização atrevi-me a corrigir a professora. Mostrou uma figura, escrevendo e pronunciando o nome da mesma.
-Esta é uma ÁRVORE
Prontamente solicitei licença e todo orgulhoso fiz a correção.
- Professora esta figura é de uma ALVE.
O que ocorreu deve ter sido trágico, as lembranças inexistem.
Foi desafiador este ano na escola, só lembro nunca mais solicitar licença para falar, só ouvia.
A supremacia da escola sobre o meu mundo confundia-me, a cada dia algo mudava em mim.

FATO DOIS – Na escola sofria-se muito com o frio, conforme o dia não dava nem para pensar, a professora levava os alunos para o sol.

FATO TRÊS – A escola possuía como sanitário uma casinha de madeira com um buraco no chão, usável só em grande necessidade. Era horrível.
Da segunda escola vislumbro uma sala de aula repleta de alunos com avental branco comprido, até o meio da canela, parece vestido.
Eu no segundo ano primário, sentindo uma alegria muito especial, pois havia sido aprovado no primeiro ano em primeiro lugar e ganhara como premio um banjo de plástico verde com cordas de violão.
A escola possuía a denominação de Escola Rural Reunida do Passo das Pedras de Cima.
Imagino a ocorrência de fatos de grande complexidade durante este ano, pois no final do mesmo meus colegas eram promovidos ao terceiro ano e eu estava reprovado.
O golpe foi terrível.
Voltamos no próximo ano e continuamos na mesma sala, pois a professora atendia vários anos juntos.
As novidades desta escola estavam nas hortas que fazíamos e nas aulas de algo parecido com educação física de hoje. Mas pareciam mais brincadeiras ao ar livre.
Da terceira escola só vejo um prédio de esquina na cidade de Alegrete, onde sai na terceira série primária.
A escola denominava-se Escola Primária Senador Salgado Filho.
Sua localização próxima ao aguador facilitava ser conhecida, pois os passantes a cavalo descansavam na sombra enquanto os animais bebiam no que parecia ser um chafariz, com água sempre jorrando.
Parece-me que me chamava mais atenção o movimento no aguador do que a escola.
Da quarta escola recordo com rigor cada detalhe. Parece-me ser um anexo do Paula Soares, estava localizado no Colégio Anchieta na Rua Duque de Caxias em Porto Alegre.
Os alunos do Anchieta tinham aula com os padres, e nós do sistema estadual com as professoras.
As alunos do Anchieta entravam pela Rua Duque[1], usando as salas de aula dos andares superiores, e os alunos do sistema estadual entravam pela rua Fernando Machado ,usando as salas de aula dos andares inferiores .
Aqui senti a diferença entre as pessoas, a escola era a mesma , mas nós da escola estadual estávamos nas salas inferiores e sentia-se que os alunos dos padres eram de outro nível.Procurava-se evitar o contato entre os alunos dos dois sistemas .
Os alunos dos padres chegavam de automóvel com seus pais e possuíam ate relógio de pulso. Pareciam de outro país.
Nesta época, sendo criado na religião católica, comecei a questionar o porquê dos padres preferirem a companhia dos mais abastados, pois esta atitude está em desacordo , ao que me parecia , com a doutrina da mesma.
Da quinta escola só lembro que se localizava na Rua Jerônimo Coelho, em Porto Alegre, ali concluí o quinto ano primário.
Segundo fragmentos de lembranças, foi um ano sofrível, com atritos e problemas chamados disciplinares. Os professores eram grandes autoridades.Sua receita era infalível,coitado de quem discordasse uma vírgula!
UFA, consegui sair do primário.

CLASSIFICAÇÃO DE MINHAS PROFESSORAS PRIMÁRIAS

Primeiro ano - uma senhora triste, alta, magra, parecia não saber sorrir.
Segundo ano - seu nome:Evinha , mocinha muito bonita, seu namorado vinha visita-la de teco-teco,ela morava na escola com a diretora e outras professoras.
Terceiro ano- só lembro do aguador e seu movimento de cavalos bebendo água- Será que tive professora?
Quarto ano-Senhora muito apresentável, residia na Duque esquina com a Borges, não simpatizava comigo, eu era perguntador.
Quinto ano- de perguntador penso ter transformado-me em contestador-esqueci a professora , imagino que brigamos.Como gostaria de lembrá-la ,pois foi quem me abriu a porta para o famoso exame de admissão e ela foi muito competente .

Nota: cada professor com sua maneira peculiar de tratar o educando, persegue um único objetivo: O SUCESSO de seu aluno, pois o professor vive dá e para a realização do mesmo.

O CAMINHO

Quem vai viver do seu trabalho, precisa profissão.
Esta lição aprende-se em casa, acompanhando ao dia a dia dos pais que não conseguem fazer sobrar seus salários ao final do mês, pelas conversas imagino que cada vez ganham menos, o que era verdade, pois após entender a tal inflação, a tal oferta de mão de obra, entendo como eles precisavam trabalhar mais para a sobrevivência.
Os produtos encareciam, sua mão de obra desvalorizava pela maior oferta da avassaladora onda de oriundos do campo.
Nesta equação perversa entrava uma outra variável negativa que se chamava apelo ao consumo. Da vida de poucas necessidades, passava-se, em nome do conforto e modernidade a conviver com outras como fogão a gás,eletrodomésticos, sabonete, este logicamente mais caro que outrora usado sabão,alem dos modernos “tennis”, sem os quais a gurizada tornava-se excluída dos grupos de maior valor social.
Quem forma profissionais?
A escola Parobé. - Então vamos lá.
Em 1962 entrei na escola e cursei o ginásio industrial, foram quatro anos de atividades sem muito tempo para brincadeiras, as aulas ocupavam os dois turno. Na manhã aulas de matérias chamadas normais (matemática, português, ciências, etc.), à tarde as chamadas profissionais.
Após quatro anos conclui o ginásio industrial com facilidade, pois a parte profissional levava o educando a gostar de aprender, logo adiante víamos o resultado de nossa aprendizagem. Estava habilitado em quatro profissões: mecânico de automóvel, eletricista, marceneiro e desenhista.
Mais uma vez, aparecia a diferença entre as pessoas. O aluno de escola técnica pertencia geralmente a classes sociais consideradas baixas.
Os alunos das escolas do cientifico e clássico parecia com similares do colégio dos padres, mas os dos padres eram os mais superiores dos superiores.
Parecia-me que algumas pessoas trabalhavam mais e outras nem tanto. Quanto mais estudava, menos trabalho e mais salário. Procurei o caminho de mais salário.
Como a escola oferecia cursos técnicos de 2º grau, ao concluir o ginásio, participei da seleção aos cursos técnicos, sendo selecionado no curso de minha preferência, o de eletro-técnico industrial.
Mais três anos com muito estudo, pois o curso exigia muita dedicação, os professores eram extremamente competentes e rígidos. As aulas seguiam o modelo do ginásio, pela manhã as matérias normais e pela tarde as matérias ditas práticas.
Em 1968 estava com o certificado de conclusão do Curso de Eletro-técnica Industrial e várias ofertas de emprego. Tempos que não voltam!
Iniciei no mundo do trabalho ao redor dos 20 anos de idade com alegria, pois as escolas e meus professores indicaram os melhores caminhos para a minha escolha .

O PROFESSOR - I

Ao redor de 1970, a necessidade de profissionais da chamada área técnica, concorria com a de instrutores dentro das empresas, pois cada novidade em maquinário, ferramenta ou material exigia que os operadores e utilizadores recebessem treinamento.
A justificativa amparava-se na generalizada mão de obra sem prática no manejo com as modernidades como: automação, circuitos eletrônicos e inúmeros equipamentos importados, onde até sua tropicalização se recomendava.
Nos locais de trabalho, passei a receber solicitações com o objetivo de organizar cursos específicos de preparação de mão de obra e treinamento como ELETRICISTA: para instalação residencial, para construção de redes rurais, para montagem de subestações elétricas e para refrigeração e ar condicionado.
Com a estruturação e operação destes e outros treinamentos, estava habituando-me a lidar com aprendizagem e com alguns fundamentos de magistério, a relação com os aprendizes motivava cada vez mais interesse para esta área.

O PROFESSOR - II

Em 1970 um professor de São Leopoldo convidou-me a fazer parte de um grupo de técnicos e engenheiros, os quais tinham como objetivo formar profissionais na modalidade de eletromecânica em nível de 20 grau.
Este curso era pioneiro e ocorreria na recém autorizada Escola de Eletromecânica Frederico Shimidt
Esclareci ao professor que esta não era minha atividade, a experiência a acompanhar-me consistia em projetos e execução de obras de engenharia.
Resumindo nossas conversas, fui visitar a escola e ao final da visita saí como professor de prática profissional, responsável desde aquele momento pela montagem da oficina de aulas práticas do corso, o qual já estava em andamento.
Como trabalhava durante o dia, o expediente na escola acontecia no turno da noite e aos sábados.
Muito trabalho e sem salário. Meu primeiro pagamento veio com cinco meses de atraso (diziam que era normal o atraso) e esta foi a experiência inesquecível onde paguei para trabalhar como professor.

O PROFESSOR - III

Sem possuir o título, passei a ser tratado como o próprio.
Iniciei as atividades imediatamente, pois os alunos já estavam em aula.
Fui informado que a direção da escola providenciaria os arranjos legais e solicitaram-me alguns documentos e meu diploma de Eletro técnico Industrial.
Logo surgiu o tal fono, onde registrava minha contratação como professor a título precário.
Enquanto trabalhava na escola, analisava o porque do título precário, classificação deprimente e fui buscar informação de como sair da precariedade e tornar-me professor, atividade que me cativava.
Busquei a formação legal através do Esquema II, cursado na Pontifícia Universidade Católica de Porto Alegre, onde concluí o curso em 1977.
Logo encaminhei a documentação ao MEC, recebendo o certificado de registro de professor.
Registro ‘L’ nº 109 275 Processo nº 376/77 , com habilitação em:
-Eletricidade
-Máquinas e instalações elétricas.
Estavam abertos os caminhos legais ao magistério.
O próximo passo – concorrer a cargo no concurso estadual da secretaria de educação, com isto trocando o contrato a titulo precário pela nomeação ao cargo de professor.

OUTRAS AVENTURAS

- 1972 Trabalhei na escola Marechal de Canoas implantando o curso profissionalizante de Desenhista de instalações elétricas (reforma do ensino).
- 1974 Como professor cedido pelo estado participei da implantação de curso técnico de eletro técnica no Colégio São Lucas de Sapucaia do Sul.
- 1988 Trabalhei em Montenegro na implantação da escola de eletro técnica do Colégio São João.
- Professor do curso de eletro técnica da Escola Parobé desde 1980.

O PROFISSIONAL

Em 1968, formado no curso técnico, iniciei minha caminhada no mundo do trabalho como profissional. Tinha a carteira profissional assinada o que representava uma nova etapa nos meus objetivos.
Com ofertas de emprego, optei trabalhar em uma firma de engenharia de instalações elétricas. Situações novas surgiam. Em meu primeiro dia de serviço o meu chefe apresentou-me três funções, solicitando a minha escolha de uma delas. Escolhi a função de fiscalização de obras, pois esta função possibilitava viagens e serviços variados, longe de rotinas.
A responsabilidade da atividade me parecia além de meu preparo e compensava minhas dificuldades, observando os profissionais chamados práticos, procurando aprender com os mesmos. Logo percebi a facilidade de aprender com eles. Resumindo, teoricamente estava bem aparelhado, mas havia carência de práticas específicas.
Superando as dificuldades através do estudo de caso por caso na profissão, viajei a serviço por vários estados, onde ampliei horizontes entendendo melhor o mundo. Este esclarecimento chegava através de leituras variadas. Fui adquirindo o hábito de ler todo tipo de livro e não só os didáticos do tempo de escola.
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[1] Rua Duque de Caxias, localizada no centro de Porto Alegre, rua do Palácio Piratini.

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