Memorial de Rosangela Reschke

Memorial Formativo
Rosangela Reschke



Eu nasci no dia 07 de maio de 1960, filha de Henrique Reschke e Dulce de Souza Reschke; pai vendedor e mãe, no momento do nascimento, do lar. Acredito eu que minha chegada tenha sido um grande presente, pois ocorreu no sábado que antecedeu o Dia das Mães. Fui a primeira filha e segunda neta pelos dois lados da família. Um ano e nove meses depois, nasceu meu irmão, Paulo Ricardo.
Morávamos em um confortável e ensolarado apartamento de dois dormitórios, na Rua Aurélio Porto, no bairro Santo Antônio, em Porto Alegre. Foi um período muito feliz, de grandes travessuras. A mais marcante é uma peripécia fiz com meu irmão, foi quando colocamos uma toalha nos ombros, subimos no roupeiro - naquela época não havia maleiro, deixando então um espaço amplo entre o teto e o guarda-roupa - e nos atiramos de cima para a cama de nossa mãe. Pensávamos que podíamos voar, como víamos nos filmes.
Aos seis anos, em 1966, entrei no Grupo Escolar Emílio Kemp, onde tive meu primeiro contato com os bancos escolares, no Jardim de Infância. Em 1967, meus colegas de jardim e eu fomos para a primeira série do Primário (nomenclatura da época para o que hoje está incluso no Ensino Fundamental). Estávamos ansiosos para iniciarmos a alfabetização, para dominarmos o desconhecido e fascinante universo da leitura. Eu adorava levantar todas as manhãs, vestir meu guarda pó branco, engomado e ir para a aula. Depois de cada aula, ao chegar em casa, minha mãe revisava os conteúdos aprendidos, tema de casa e ditado de trinta à quarenta palavras, sendo esses últimos escritos em papel de embrulhar pão. Graças ao meu empenho e a esse acompanhamento de minha mãe fui aprovada como primeira aluna da turma.
Lembro que na primeira série, no fim do ano, após a avaliação dos conteúdos ocorria uma prova oral, ou seja, ficávamos em frente ao professor, diretor e mais outro membro da escola, para ler um texto e ter uma ampla aprovação. Após o fim do ano letivo, tive minha primeira perda, minha avó materna. Na época, eu não entendia muito bem o ocorrido, apenas entendia que não a veria mais, o que causava a dor da ausência.
Os anos seguintes transcorreram tranqüilamente, obedecendo sempre a mesma seqüência: escola, casa, estudos com minha mãe, sendo sempre aprovada em primeiro lugar na turma. Em 1970, na quarta série, minha professora chamou minha mãe para informá-la que não achava necessário que eu cursasse a quinta série, pois julgava que eu estava preparada para a prova do Exame de Admissão ao Curso Ginasial (o que hoje está incluso no Ensino Fundamental). O mesmo foi realizado no Colégio Rui Barbosa, com a minha aprovação. Iniciei em 1971, a primeira série do Ginásio, no mesmo ano em que foi aprovada a 2ª LDB 5602/71 que acabava com a modalidade do exame de admissão.
No segundo semestre ano nos mudamos para a cidade de Erechim, devido à transferência de trabalho do meu pai, e passei a estudar no Colégio Estadual Professor Mantovani, além de todas as expectativas geradas pela mudança de escola, ocorreu uma mudança de currículo. A nova escola oferecia aulas de Francês, e eu nunca havia tido contato com essa disciplina. Novamente, com o auxílio fundamental de minha mãe consegui eu superar as dificuldades passando de ano sem recuperação. Minha mãe começou a participar, como professora, do MOBRAL (Projeto de alfabetização para adultos) tendo também conseqüentemente pensado em retomar os seus estudos, o que concretizou em 1973 começando a cursar o Magistério na Escola Normal José Bonifácio.
Em 1974, terminei o Ginásio e comecei a pensar no meu Segundo Grau (correspondente ao anterior Colegial e ao atual Ensino Médio). A minha opção seria cursar Edificações, mas minha mãe acabou me mostrando que o mais conveniente seria o curso de Magistério, pois financeiramente eu teria mais oportunidades de ter uma renda para pagar uma faculdade. Então, em 1975, ingressei no Magistério, através de um projeto pioneiro entre os colégios José Bonifácio e Professor Mantovani, que promovia aulas em ambas as escolas, em uma pela manhã, e à tarde na outra.
Nesse mesmo ano, minha mãe concluiu a primeira etapa do curso de Magistério, tendo pela frente um ano de estágio para o término do curso. Em 1976, minha mãe se formou numa linda solenidade, com uma bela festa de comemoração. Nesse mesmo ano perdi meu pai que veio a falecer por problemas cardíacos. Ao final de 1976 minha mãe prestou vestibular para Licenciatura em Ciências, modalidade férias, tendo sido aprovada e no ano seguinte ela passou a lecionar na Usina Elétrica do Rio Passo Fundo, pertencente a Eletrosul, situada entre a cidades de São Valentim e Nonoai. Eu e meu irmão ficamos em Erechim, estudando e morando em um pensionato, e nos finais de semana íamos encontrar nossa mãe na usina.
Em 1978 voltei para Porto Alegre, onde fiz um cursinho de pré-vestibular enquanto morava na casa da minha tia Nilda, irmã de minha mãe. Tenho plena convicção de que a família de minha tia foi essencial na minha formação acadêmica, pois me proporcionaram as condições para que eu pudesse estudar, além da estrutura familiar de afeto e carinho. No ano de 1979 ingressei na UFRGS no Curso de Administração.
Logo a seguir comecei a trabalhar como Estagiária da Enfermaria do setor hospitalar de Oftalmologia da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre. A Universidade mantinha, na época, uma parceria com essa instituição que funcionava como um Hospital-Escola. Foi quando, pela primeira vez, senti medo, saudades e insegurança com todas essas mudanças, pois era um grande desafio trabalhar em uma área com a qual eu nunca tivera contato. A minha primeira função foi de Secretária de Departamento, o qual eu tive de instituir na prática, com uma máquina de escrever manual Hampton, uma mesa e uma cadeira, num corredor da Enfermaria. Foi o meu primeiro passo para o fundamental aprendizado de vencer desafios, superar dificuldades e exercer a criatividade.
Em 01 de janeiro de 1980, ingressei, através de um contrato de emergência, como Assistente-Administrativo na UFRGS, continuando o trabalho já iniciado quando era estagiária. A partir daí, comecei a trabalhar durante o dia todo e a freqüentar as aulas a faculdade no primeiro período da manhã e todas as noites. E o início efetivo de minha trajetória profissional. Em 1983, ao término da parceria da Universidade com a Santa Casa, fui transferida para um departamento novo, o de Estatística, no Instituto de Matemática, que se localizava ainda no campus do centro. Essa experiência foi meu primeiro contato direto com a minha área, onde desenvolvi atividades como elaboração, planejamento, execução, remanejo e prestação de contas do projeto FINEP (Financiadora de Estudos e Projetos), como co-responsável.
Ao fim desse ano, fomos transferidos para o Campus do Vale, o que gerou um grande transtorno de horários e locomoção, pois só havia duas linhas de ônibus que iam para lá e a demora em média era de uma hora para fazer o trajeto.
Essa primeira metade da década de 80 foi muito importante em minha vida, tanto profissional, quanto pessoalmente. Em 1981, comecei a namorar um colega de faculdade, com quem noivei no ano seguinte, e no dia 22 de dezembro de 1984 ocorreu a cerimônia religiosa de casamento na Igreja Sagrada Família, seguida de uma festa no Salão da Igreja.
No início de 1985, eu conheci o Professor José Luiz Machado Lopes, diretor do DCF (Departamento de Contabilidade e Finanças) da UFRGS, que me convidou para trabalhar com ele. Houve quase um ano e meio de negociações. Em dezembro de 1985, colei grau em Administração de Empresas e em julho de 1986, em Administração Pública. Em ambas as ocasiões houve solenidade formal e as devidas comemorações. No ano seguinte fui para o DCF, trabalhar no Setor de Empenho, que foi o meu primeiro desafio depois de formada na área financeira. Dentre as minhas funções estavam a análise de empenho, o suprimento de fundos, a folha de pagamento, consignações, diárias, suporte para auditores do Tribunal de Contas da União e Instituto Nacional do Seguro Social.
No aspecto pessoal ocorreu um fato preocupante que foi o agravamento do Diabetes de minha mãe, doença que ela tinha desde os vinte sete anos, mas que até aquele momento estivera sempre controlada. Ela precisou iniciar o tratamento com insulina, que teve como efeito colateral a perda de visão. Comecei, então, a viajar freqüentemente a Florianópolis, para visitá-la. Nesse período, meu irmão ficou noivo. No fim de 1988 ocorreu a dissolução do meu casamento e mudei de residência, passando a morar na Rua Santana, reformulando toda a minha vida pessoal.
Em 1990 a Universidade entrou em um novo processo de enquadramento, quando passei a exercer o cargo de Administrador Público, de nível Superior, mudança essa que só alterou a remuneração, pois eu já exercia as atividades correspondentes. Em dezembro de 1994, meu irmão Paulo Ricardo se casou com Maria Janine, na capela de Torres, tendo a festa ocorrido na Sociedade Amigos de Torres. No ano seguinte nasceu minha sobrinha Pauline. O nascimento dessa menina foi um acontecimento maravilhoso para toda família, especialmente para mim que a recebi como uma filha. Nesse ano tive um dos Natais mais felizes da minha vida, quando conseguimos reunir toda a família para a celebração, que foi só alegria com a presença dessa nova vida entre nós.
Em março de 1996, numa das viagens a Florianópolis, para cuidar da minha mãe, conheci aquele que seria meu segundo marido, Roberto, um grande companheiro de alegrias e dificuldades. Nos conhecemos logo após um grave problema de saúde que eu tive, uma infecção hospitalar generalizada, que me deixou noventa dias no hospital, tendo sido submetida a quarenta e duas cirurgias com várias seqüelas. Roberto e minha mãe foram essenciais para minha recuperação e minha “auto-aceitação“. Após superar essas dificuldades precisei de todo apoio para enfrentar a perda de minha mãe, que ocorreu em maio de 1997.
Em 1998 mudei de departamento na Universidade, permanecendo ainda dentro da Reitoria, mas atuando na PRORAD (Pró-Reitoria de Administração). Fiquei responsável por todos os contratos da Universidade, ou seja, solicitação de recursos, liberações, pagamento, conciliações e elaboração dos empenhos pertinentes a esses pagamentos. No ano seguinte me deparei com um problema, para mim, desconcertante e inusitado, que foi um desvio financeiro no departamento. O caso foi apurado e o autor devidamente identificado. Esse fato fez com que eu revisse meu papel profissional, quanto aos riscos implicados, como o de estar próxima e vulnerável a situações como essa.
Após uma cuidadosa reflexão, resolvi mudar meu setor de trabalho e acabei recebendo convite para trabalhar na Escola Técnica, onde iniciei em fevereiro de 2000, na Secretaria. Os dois primeiros anos foram de readaptação funcional, pois eu estava acostumada a trabalhar com grandes desafios, responsabilidades e comprometimento, e passei a desempenhar uma função meramente burocrática (emissão de documentos e atendimento aos alunos). Nesse mesmo ano, meu marido entrou no projeto de educar jovens e adultos PEFJAT, da UFRGS, tendo ele concluído em 2002, com solenidade no Salão de Atos.
Em 2004, com a nova gestão fui convidada a trabalhar na Secretaria da Direção da Escola Técnica, como Secretária, o que me fez descobrir a importância e responsabilidade do educador. Começou assim a nascer esse encanto com a educação e a vontade de me tornar parte ativa desse processo. Entendi aquilo que minha mãe vivera na educação, o por que de sua dedicação e amor ao ato de educar pessoas. Essas descobertas me levaram a voltar a estudar. Em 2006 participei do Encontro de Secretárias das Universidades do Brasil, realizado em Florianópolis, que me proporcionou novas aprendizagens, em áreas correlatas.
Em setembro de 2007 me inscrevi em um curso de Extensão de Pesquisa e Marketing, ministrado pelo Professor Cláudio Farias. Foi através desse curso que resolvi retomar minha vida acadêmica, começando a pensar em algo novo. Logo depois surgiu o Curso de Pós-Graduação em Educação para Jovens e Adultos, o qual me interessou não só pelas vivências já descritas, mas também pela possibilidade de trabalhar com adultos.
Hoje, parto do princípio que o que me move, o que me faz querer ser uma educadora, não é meramente para obter uma melhor remuneração, e sim para fazer um trabalho focado na inserção dessas pessoas dentro de um mercado tão exigente. Me atrai a possibilidade de atuar em parceira com outro ser humano, para o qual eu possa fazer a diferença. O que me motiva não é educar meramente para reproduzir conhecimento, mas para construir, instigar pensamentos e valores em cada aluno. Sei que será um trabalho árduo, pois tenho que adquirir todo um embasamento teórico, para a partir daí poder me tornar realmente uma educadora.
Acompanha-me a certeza de que desafios são para serem superados, e que nessa superação está a possibilidade de crescimento pessoal e de efetiva participação social. A experiência profissional pregressa me capacita a pensar cuidadosamente nas escolhas e responsabilidades do trabalho em educação, e a consciência de que o ato de viver é um contínuo aprendizado me impulsiona ao novo desafio.

2 comentários:

Ana Claudia disse...

Rosângel,
Acho impossível você lembrar de mim, mas me chamo Ana Claudia, morei na rua Laurindo e era muito amiga do Paulo, seu irmão, Farinha, Gressana, et...Hoje moro em Brasília, sou casada, e fiquei feliz em reencontrar vocês. Queria falar com o Paulo, você tem o e-mail dele? O meu é anacbm65@gmail.com.br. Bjos, em todos.

Unknown disse...

Olá Rosângela, fiquei muito emocionada por encontrá-la, lembra de mim. Rosangela, da Barragem, saudades enormes de vocês, suas e do Paulinho.